Bengay, o Alívio Da Dor Penetrante Profunda

Ontem, o Jotabê, o monarca do Blogson Crusoe, enviou-me uma imagem, dizendo que ela poderia me inspirar um bom texto.
Senti-me de volta à década de 1970, aos meus tempos de grupo primário. Tempos em que a "tia", a Dona Espéria, frequentemente pedia  que fizéssemos "composições". Quem tem menos de 40 e poucos anos nem sabe o que é isso, ou conhece por outros nomes : redação, ou, mais atualmente, produção de texto. Eram duas composições por semana. A Dona Espéria nos dava um desenho, ou uma gravura, geralmente mimeografados, e tínhamos que compor um texto inspirados neles. Lembro que antes de qualquer coisa, eu dava uma boa cheirada na folha rescendendo à álcool. E compunha. E o texto vinha.
Agora, mais de quatro décadas depois, o mestre Jotabê me desafia a uma composição. Sem os eflúvios do álcool do papel mimeografado para me inspirar, dei uma talagada numa dose de vodka-tônica e compus. Não saiu lá grande coisa, mas acho que dá pra passar de ano. Raspando.

"Os músculos são nossas caldeiras, nossos cavalos de força, nossas forças motrizes. Zelar pela manutenção, pela adequada nutrição e pelo constante exercício deles é zelar por nossos próprios ânimos e disposição, por nossas próprias coragem e/ou resignação em levantar da cama todos os dias e enfrentar a lida.
Os músculos impulsionam e coordenam todas as nossas atividades. Músculos são sinônimos de ação. E fez-se o Verbo. E o Verbo fez-se em nós na forma de músculos. Os músculos são nossos verbos; todo o resto é perfumaria, são complementos nominais, conectivos, adjuntos adnominais, preposições, conjunções, objetos indiretos e outros penduricalhos.
Temos os músculos ligados ao nosso esqueleto, que nos colocam de pé, permitem-nos andar, manipular objetos, dar uma "banana" e mostrar o dedo do meio a um desafeto, coçar o saco e futucar o nariz, fazer o gesto da "arminha", ou o do "Lula Livre", e, claro, tocar punheta.
Temos os músculos lisos e involuntários do sistema digestório, responsáveis pela ingestão e pela transformação dos alimentos em moléculas utilizáveis por nossas células; eles, literalmente, dão tudo mastigadinho às nossas células.
Temos o diafragma, responsável pelo inflar e desinflar dos pulmões, garantindo-nos, respectivamente, a captura do gás oxigênio e a eliminação do gás carbônico. Temos os músculos da face, que nos permite expressar nossas emoções, dar vazão a toda a minha inata simpatia. Temos os músculos oculares, que permitem que nos encantemos com uma bela paisagem, com um sangrento pôr-do-sol, que possamos ler um bom livro, assistir a um bom filme e, claro, dar aquela rápida e sub-reptícia espiada no decote da peituda à nossa frente na fila do banco, do supermercado, da padaria.
Temos "o" músculo, o coração, infatigável bomba a lutar contra a "indesejada das gentes".
Engenhos maravilhosos, os nossos músculos; porém, não invulneráveis. Portanto, além de lhes fornecer boa nutrição e atividade física, é imprescíndivel também que recebam imediatos reparos em casos de lesões, estiramentos, lacerações e outros ossos do ofício. Vários são os procedimentos de primeiros socorros que podemos prestar aos nossos músculos : botar gelo, compressas com cataplasma, tomar diclofenaco, entre outros.
Tais ações emergenciais, contudo, não são de nenhuma valia para um músculo bem específico, de suma importância e inigualável grandeza, e sempre relegado a segundo plano, sempre ignorado e desprezado, sempre deixado "para trás" : o esfíncter anal. O guardião da porta do cu. O zelador da prega-rainha. Sempre a impedir a fuga de "prisioneiros" em momentos inapropriados e, principalmente, a defender com a própria vida a invasão de elementos estranhos em quaisquer momentos e sempre.
E se o sujeito exigir muito nos exercícios do esfíncter? E se der um mau jeito no cu? E se o olho do cu, em alguns casos, maior que a barriga, por gulodice, entubar mais do que pode aguentar? E se o sujeito tiver passado o carnaval com o ex-boiola e chegar na quarta-feira de cinzas com distensões e entorses nas pregas?
Gelo, cataplasmas e diclofenaco de nada adiantarão neste caso.
Quem é que socorre o músculo do cu, então, nessas horas de apuro?
Até pouco tempo, a resposta seria nada e ninguém. Cada um que sofresse calado a sua dor.
Pois agora isto ficou no passado!
Pensando sobretudo nos atletas de academia e de cross fit, fervorosos e incondicionais adeptos da prática da rosca direta, o afamado laboratório estadunidense Johnson & Johnson desenvolveu a pomada Bengay. Que tem benga e gay até nome, deixando evidente a que público alvo se destina.
Como se não bastasse o nome fantasia (cheio de purpurina e paetês) da pomada, o seu uso está bem especificado na caixa de sua embalagem : deep penetrating pain relief. Alívio da dor penetrante profunda; segundo o tradutor Google. 
Distendeu o esfíncter anal? Dá-lhe Bengay! Tá com cãibra no brioco? Dá-lhe Bengay! Puxou ferro demais com o cu? Dá-lhe Bengay! Lacerou a prega-rainha? Dá-lhe Bengay.
A Bengay, claro, é comercializada em grandes, grossas e roliças embalagens tubulares.
Mas apesar de ser quase milagrosa, a pomada Bengay, assim como todo e qualquer medicamento, pode provocar efeitos colaterais em usuários mais sensíveis.
Vi, em reportagem do portal G1, de 13/09/2012, que as autoridades sanitárias americanas, depois de investigarem denúncias de consumidores, alertaram o público sobre a ocorrência de queimaduras médias e graves após o uso de algumas pomadas para aliviar dores musculares. Entre elas, claro, estava a Bengay.
Não sei exatamente como se deu o desenrolar do caso na justiça americana, mas tenho quase certeza de que a Bengay foi absolvida. De que foi provado, frente a inegáveis fatos, que a Bengay não causou as queimaduras. De que foi demonstrado para o juíz e para o júri popular - de forma inconteste e irrefutável - que a rosca do sujeito já estava queimada muito antes da aplicação da Bengay.
Pããããããããta que o pariu!!!!"

em tempo : não confundir a Bengay com o Bálsamo Bengué, unguento das antigas, pomada de macho-jurubeba, de pedreiro, estivador, lenhador e marinheiro.

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4 Comentários

  1. Fiquei em dúvida quanto à tradução do termo "non-greasy action". Será que o fabricante avisa subliminarmente o usuário a não passar o lance no toba?

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    1. Rapaz, meus olhos prebioscópicos não tinham se atentado à "ação não lubrificante". Mas depois de dizer que a pomada alivia a dor penetrante profunda, qualquer outro aviso será ignorado.

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  2. Rapaz, que aula sobre os músculos! Diria que você exibiu toda a sua musculatura intelectual. O texto ficou muito bom e engraçado. Mas você fez uma referência às “composições” de antanho. Se você pensar bem, “composição” é uma palavra muito mais completa e cheia de significado que “redação” ou “produção de texto”. Para mim, “composição” pressupõe criação, visualização, viagem na maionese. Que acha?

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    1. Sem dúvida que composição é um processo muito mais rico e complexo que uma simples redação, dissertação ou produção de textos. Justamente por isso foi substituído, por ser inalcançável para as novas gerações.

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