Retorno Imaginário a Uma Mogi Tão Quanto (Ou : A Minha Pasárgada)

                                                                                                                                                         E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando a noite me der
Vontade de me matar
- lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada. 
(MANUEL BANDEIRA)
               
É que hoje acordei com saudades! 
Acordar com reumatismo seria o de bom senso 
E o natural, vista minha idade. 
Mas não! 
Nenhuma junta queima-me e arde. 
Acordei deveras foi com saudades. 
Saudades não de alguém, 
Não de específica cama, 
Não de um meio de pernas. 
Saudades de um itinerário de trem. 
De um trem que não mais corre 
E quando corria, atrasava 
Apitando, fumegando, por nós, o seu desdém . 
Desdém que não me apoquentava 
Pois sabia que o amigo 
Ao fim da linha 
E ao fim de que hora fosse 
Me aguardava. 
Sem queixas, até encabulado 
Dizendo ser de uso o demorado, 
Como fosse o dono da férrea companhia. 
Seu olhar de alegria 
Abraçado ao meu, saturado 
Saturado de espera, paisagem, 
Lagoas brancas e garças. 
É que hoje acordei com saudades! 
Acordar com lumbago seria o de bom tom 
E o responsável, vista minha idade. 
Mas não! 
Nenhum nervo entreva-me covarde. 
Acordei com 42o C foi de saudades. 
Saudades da saudade que matávamos em poucos minutos, 
Com mínimas palavras, 
Em metade do trajeto da estação à casa: 
Não tínhamos, à época, tempo a perder com a saudade. 
Saudades dos nossos comboios pela madrugada, 
Das saias, dos saltos, das pernas pelas calçadas, 
Dos lábios mascarados por óxido de chumbo. 
Saudades das nossas paisagens noturnas 
- desfocadas, descalibradas – 
Nossos olhos embotados (não de cimento e lágrima) 
De vodka barata – com nome de mulheres baratas – 
Misturada a guaraná, fanta laranja, soda limonada, água tônica, 
Mas principalmente à nossa vontade de romper à vida, 
Avidamente. 
Saudades de nosso planos de ataque sem exércitos a combater, 
De nossas expectativas frustradas, eternamente expectativas. 
Saudades das manhãs ocres, azedas 
Tratadas com aspirinas e macerados de boldo. 
Saudades dos risos – ríamos ainda assim – 
Que nos ribombavam a cabeça. 
Saudades de nossas despedidas na gare, 
Nossas despedidas sem pesar, 
Ainda que incertos fossem novos reencontros. 
Pois éramos jovens. 
E jovens, acreditávamos que morreríamos. 
É que hoje acordei com saudades. 
Acordei urinado, 
Incontinente de saudades. 
Saudades 
(hoje, eu, velho, entocado pela saudade) 
De quando queríamos – esperávamos realmente – 
Morrer imberbes, jovens e tenros: 
Intocados pela saudade.

Em tempo : pois é, Margá, bichona velha, finalmente você meteu a mão no bolso e pôs internet na sua casa. Ficava com aquela desculpa de que morava em um bairro novo, que o sinal não chegava por lá... não chegava é o caralho, era a sua eterna pão-durice - eu disse pão-durice, porque pau durice, você nunca teve. E sabendo que um de seus passatempos prediletos é ler o Marreta, posto aqui esse singelo poema, que escrevi em 2005 ou 2006 em lembrança das nossas velhas noites da Mogi da década de 90, quando eu pegava o trenzão da Fepasa aqui - bom e muito barato -, aportava por aí e era muito bem tratado e hospedado pela Dona Rosita, bem diferente de você, que só me dava whiskão do Paraguai, o White Pangaré.

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