Pequeno Conto Noturno (30)

Há noites fadadas ao abismo, à merda. Aquelas noites em que tudo diz para se ficar em casa. Tarô, metereologia, horóscopo, cotação da bolsa, sismógrafos, runas, tudo. Quando todos os indicadores alarmam para que não se ponha o pé à rua, aí é que Rubens gosta de sair. Quando o mar não está para peixe, é que ele gosta de sair para pescar.
E não porque ele ache que possa subverter o destino, reverter as probabilidades, ou ludibriar os prognósticos - Rubens sabe que os vencedores dos páreos são decididos nas cocheiras, não nas pistas, não há azarões na vida -,  mas para alimentar sua dor, pôr-se a teste.
Alguém já disse certa vez, ou um filósofo grego, ou um alemão, ou Sylvester Rocky Stallone : não importa o quão forte você seja, ninguém vai bater mais duro que a vida, ela vai colocá-lo de joelhos e deixá-lo lá, não importa o quanto você bate, mas o quanto aguenta apanhar e continuar, é assim que se ganha.
Rubens saiu para apanhar, para ver se ainda aguentava o tranco. E apanhou.
Volta estropiado a seu apartamento, bêbado, juntas e tendões doendo pela légua tirana, rejeitado. Rubens cantou mulheres que nunca poderia conquistar, provocou homens que nunca poderia vencer, pediu bebidas pelas quais nunca poderia pagar. Pareciam os bons e velhos tempos.
Arranca a roupa. Pelado, vai à cozinha e enche uma caneca com cerveja, um canecão de cerâmica com capacidade exata para uma ampola de 600 ml.
Passa pela sala, pela estante improvisada com tijolos baianos, e pega um livro de bolso do Bukowski, Numa Fria. Munido de cerveja e do Velho Sujo, vai ao banheiro, senta-se no privadão. Tudo desce fácil, a cerveja, o Bukowski... sem constipação.
Assim que acabar ou a cagada, ou a cerveja, ou o conto, o que vier primeiro, Rubens irá dormir. Anestesiado. Mais um coma induzido que um sono.
Sabe que logo acordará - sempre teve sono curto e leve, nunca foi dos prediletos de Morpheus -, e que a dor se espreguiçará junto, pisará o chão com ele. Pensará na dor amanhã, melhor, senti-la-á amanhã, que dor não é feita para se pensar sobre, é para ou ser transformada em algo útil, ou sofrida de forma calada, sem reclamações.
No momento, Rubens está feliz, estranhamente feliz em seu banheiro de piso desbotado, embriagado, um livro amarelo e amarratado nas mãos, e o cu sujo de bosta.
Muitas vezes, pensa Rubens, é só disso que um homem de bem precisa, um canecão transbordante de cerveja, um conto de Bukowski e uma boa cagada.

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