O Dia Do Saci

Pau no cu do cabeça de abóbora! Que se foda o cavaleiro sem cabeça!
Aqui não tem Raloim porra nenhuma. Hoje é o Dia do Saci. E da mula-sem-cabeça, da Cuca, da Iara, do Boi-tatá, do Curupira, do Caipora, do Anhangá, do Mapinguaru, e até do Boto, o grande metelão da Amazônia.
Aqui não tem gostosuras ou travessuras, só tem travessuras, que assombração que se preze, assombração macho, de respeito, não se vende por pirulitinhos de alcaçuz e bolotas de marshmallow. Aqui é festa na floresta, não um desfile de fantasias costuradas por pais idiotas para seus filhinhos tão vitimados pela genética quanto eles.
O Dia do Saci foi instituído em 2003 através de um projeto de lei federal do deputado Aldo Rebelo (PC do B - SP), e se contrapõe ao dia das bruxas, conhecido no Brasil como Raloim. Mas Rabelo não foi o primeiro a defender o negrinho de uma perna só, tampouco seu entusiasta mais importante.
Em 1917, puto da vida com as estátuas de anões encasacados e outros entes do imaginário europeu que proliferavam pelos jardins de São Paulo e outras cidades - sim, já foi chique ter anões no jardim -, Monteiro Lobato, eterno defensor dos valores nacionais, abriu uma cruzada pró-folclore brasileiro, escudado pela figura gaiata do Saci.
Lobato publicou no Estadinho, suplemento infantil do jornal O Estado de São Paulo, um artigo chamado Mitologia Brasílica, no qual conclamava os leitores a lhe enviarem cartas com relatos sobre as estripulias do Saci, a quem Lobato chamava de o "insigne perneta".
A redação do jornal foi invadida por uma avalanche de cartas sem precedentes, vindas de cidades interioranas de SP, MG e RJ, cada qual contando seu "causo" de saci. Os frutos da campanha foram reunidos por Lobato em seu primeiro livro, O Sacy-Perêrê – Resultado de um Inquérito, em 1918; mais tarde transformado no livro O Saci, da série O Sítio do Pica-pau Amarelo.
Foi Lobato quem popularizou a figura do Saci nos centros urbanos, antes conhecida apenas nos rincões do país. Hoje, todos os que sabem do Saci e têm idade inferior a 90 anos, souberam do diabrete através de Monteiro Lobato. Acho que só o Oscar Niemeyer conheceu o Saci através das histórias da avó, e olhe lá! Que em 1917, o Oscarzinho já tinha 10 anos.
E ainda tem filho da puta que diz que Monteiro Lobato era racista!!! Nunca, no mundo inteiro, ninguém jamais defendeu tanto um personagem negro como fez Lobato para com o Saci. Nem a princesa Isabel, nem a bichona do Zumbi, nem Martin Luther King!!!
O Saci pode ser o Pererê, o mais comum, negro e com altura de 77 cm, que é o do Lobato e o do Ziraldo, pode ser o Saci-açu, já maiorzinho; pode ser o Saci Trique, o menorzinho deles, que costuma andar pela floresta pilotando morcegos ou montando caracóis, quando anda a pé, vai quebrando gravetos, produzindo o característico ruído que lhe dá o nome, trique, trique, trique; pode ser ainda o Saçurá, que tem olhos vermelhos, traços mais demoníacos e pouco dado a brincadeiras, é o malvado da família.
Bruxinha encantada, fantasminha quarado, ogrinho peludo, VÃO SE FUDER! Porque aqui na face da Terra só o dia do Saci é que vai ter. Hoje é dia de ovo choco na cara, de cavalos com as crinas trançadas, de pipoca queimando sem estourar na panela, de leite azedo, de açúcar no saleiro e vice-versa, de roupas arrancadas do varal e de muito redemoinho e assobios estridentes.
Aí, o caboclo, que sabe das mandingas para prender Saci, joga a peneira de taquara cruzada no olho do redemoinho, captura o diabinho, arranca-lhe o gorro vermelho e o guarda numa garrafa fechada por uma rolha com uma cruz entalhada em cima.
Então, o caboclo pode sentar e pitar sossegado, pode prosear com o cumpade, pode ir pescar lambari, pode armar sua arapuca para pegar coleira, pode tocar sua violinha sem preocupação nenhuma. 
Acontece que Saci preso é igual a criança levada quando dorme, os pais ficam aliviados num primeiro momento, daí a pouco começam a sentir falta do movimento, da bagunça do petiz, e logo não veem a hora do moleque acordar e pôr a casa de pernas pro ar de novo. O caboclo começa a sentir falta de alguma coisa; o mato parece-lhe triste, a noite muito vazia, os animais nostálgicos da correria noturna. Então ele vai, desarrolha a garrafa, devolve o barrete ao Saci e lhe diz: "Vá s’imbora, peste. Azula, coisa-ruinzinha." 
E o Saci azula bonito, pega carona na cauda de um pé-de-vento.
Feliz Dia do Saci, Saci.

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