Sopa De Tomate Do Azarão

Desde segunda-feira, uma bem-vinda frente fria estacionou nesse buraco, nessa ex-cratera de vulcão (ou cratera de ex-vulcão?), onde alguém resolveu fundar uma cidade há quase duzentos anos.
Tudo bem que nem é "aquele" frio, nada nórdico ou sibérico, nem mesmo patagônico (só um subproduto dele). As temperaturas atingiram mínimas entre 10 e 12 ºC nas madrugadas, e prometem se manter assim até sexta ou sábado.
Praticamente temperaturas de ar-condicionado, mas para quem faz estágio nessa franquia do inferno, para quem é trainee do capeta, já proporciona um bom alívio, dá até pra se imaginar vivendo em lugares mais salutares e civilizados.
Já dá para vestir aquele moleton velho, andar de meias pela casa, levar um cobertor para o sofá, beber algo mais incorpado e vigoroso, e mudar o cardápio, fugir literalmente do feijão-com-arroz.
Sopas e caldos vêm bem a calhar nessas ocasiões, e tenho um extenso - e pouco usado - receituário deles. A minha preferida é a famosa Sopa de Tomate do Azarão (STA), que mais  é uma poção mágica do que uma sopa, controversa e herege.
É uma receita de fácil execução, mas difícil, muitas vezes, de ser levada a cabo pela especificidade de seus ingredientes. Não cabem improvisos aqui, na STA. Não há permissão para a substituição de nenhum de seus constituintes. Ou é a STA, ou não é! Não há meio-termo nem condescendências.
Os tomates não podem ser, em hipótese alguma, o que se convencionou chamar, hoje, de tomate, os tais longa vida, caqui etc - são aguados, anêmicos, amarelos, anabolizados. É obrigatório que seja daquele rasteiro, bem pequeno e vermelhíssimo, mais vermelho que batom de puta, maduríssimo, quase beirando o apodrecimento; ainda é possível achá-los sem grandes dificuldades em hortifrutis honestos.
O manjericão não pode, sob pena de excomunhão, ser desidratado, tem que ser fresco, in natura. Mas não pode ser o manjericão comum, há de ser o manjericão canela. Poucos o conhecem, e nunca vi dele para vender em supermercados e varejões. Ele brota "espontaneamente" ao pé das árvores plantadas nas ruas, nas calçadas das casas, ou é cultivado em jardins de senhoras de vetusta idade, aquelas velhas bem rabugentas; e esse é o melhor.
Um dia antes de fazer a STA, roube o manjericão canela do jardim de umas dessas velhas, e o mantenha com o caule na água para assegurar seu frescor até o dia seguinte. Só serão usadas umas poucas folhas, mas roube um galho de tamanho razoável, justamente para que a velha dê pela falta e passe o resto do dia xingando e rogando pragas no ladrão. As maldições proferidas pela velha intensificarão o odor e o poder de condimentação do manjericão canela.
Um ingrediente essencial - secreto e exclusivo - da STA é o Biotônico Fontoura, famoso elixir dado às crianças para lhes abrir o apetite. Um cálice de Biotônico Fontoura não só aumentará o valor nutritivo da sopa, dará também um caráter mais ferroso, mais sanguíneo.
Porém, não pode ser o biotônico com a formulação atual, da qual retiraram o álcool, tem que ser dos antigos, que talvez você consiga nos estoques empoeirados de velhas boticas, ou, quem sabe, no armário de remédios da mesma velha de quem você surrupiou o manjericão canela.
O parmesão é o queijo a ser salpicado à hora do consumo da STA. Mas tem que ser aquele parmesão de gaveta, bem velho, duro e desidratado. Nem é o parmesão curado; é o morto e mumificado, fossilizado. Aquele que nem fungo prolifera em cima, aquele que quebra pivô de ratazana.
E, agora, o ingrediente supremo : sangue menstrual, exatos 28 ml por litro da STA. Repleto de fragmentos de células rejeitadas e borbulhando de hormônios maternais frustrados, é esse líquido que elevará uma reles sopa de tomate ao extremo expoente da gastronomia, ele realizará a perfeita fusão entre o vegetal e o animal, entre a polpa e a carne.
De resto, é fácil : refogar os tomates em azeite extravirgem (sem ter sido tocado nem pelo espírito santo), batê-los no liquidificador, voltá-los liquefeitos à panela, e, acrescentados o cálice de biotônico e as folhas do manjericão canela, cozinhar mais um pouco, até engrossar a mistura; desligar o fogo e, só então, adicionar o sangue menstrual.
Servir quente (não fumegante), à temperatura da cópula, acompanhado de uma vermelha e terrosa cerveja bock.
As emanações dos hormônios impregnarão a casa, tornará-lhe-ão um ambiente primevo, extremamente reconfortante, acolhedor e prazeroso. Tomar uma lauta pratada da STA é ser reenviado ao  útero, à caverna da qual emergiu nossa espécie.

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4 Comentários

  1. WTF! Sangue menstrual? De onde surgiu essa idéia, Azarão? Começam a surgir dúvidas sobre sua sanidade...haha

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  2. wtf= what that fuck. +/- Que porra é essa.

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