Uma Virtude, Ao Menos

"Em sua primeira semana, Dilma Rousseff fez mudanças em seu gabinete. Substituiu um computador de mesa por um laptop e retirou a Bíblia da mesa e o crucifixo da parede. (Folha de São Paulo, 09/01/2011)".
Será essa louvável atitude a primeira quebra de compromisso de Dilma com seus apoiadores? No caso, o bando de idiotas cristãos, católicos e evangélicos, que a apoiaram no segundo turno, talvez com a esperança de um conversão da mesma; cristão adora converter os outros, adora partilhar sua ignorância.
Digo que não. Dilma Rousseff não quebrou nenhum compromisso de campanha essa vez. Nem quebrará algum em seu mandato.
Dilma Roussef, e que meu braço seja dado à torção, nunca mentiu ou fez promessas infundadas em sua campanha presidencial. Seria impossível : nunca houve uma campanha "sua", ela nunca foi candidata, nunca se coligou a ninguém, não assumiu compromissos de espécie alguma. Sempre foi a campanha de Lula, em prol de seu terceiro mandato. Lula a fez candidata ante a impossibilidade de sê-lo, Lula mentiu, coligou, prometeu, fez conchavos e assumiu compromissos eleitoreiros; Dilma foi a fiadora de Lula, digamos assim, alguém que irá pagar o "pato" se algo desandar.
Prova disso que Dilma Roussef nunca tentou esconder seu passado, até porque sua ficha criminal correu net afora : guerrilheira, assaltante de banco, sequestradora, comunista (o que, diferente dos predicados anteriores, não é crime, embora, à época, fosse assim considerado) e ateia - uma virtude, ao menos. Dilma não ocultou tampouco desmentiu seu passado de fora-da-lei. Não precisava. Como, de fato, não precisou.
Uma ficha dessa derrubaria candidatura de síndico de prédio, mas não derrubou a da presidenta. Fato estranho e obscuro? Não. Claro, nítido e em HD : não derrubou a candidatura de Dilma porque a candidatura era de Lula. Talvez milhões tenham lido a ficha de Dilma, mas e daí se ela foi sequestradora, assaltante etc?, o negócio não era com ela. Milhões leram a ficha de Dilma e mantiveram seu voto : em Lula, o verdadeiro candidato.
Razão pela qual os ataques à pessoa de Dilma nas retas finais das eleições não causaram flutuações significativas nas pesquisas de intenção de votos. Seus opositores cometeram um erro crasso, tornaram Dilma em alvo de suas injúrias e tentativas de difamação, quando ela nunca foi o alvo dos votos da população. Para vencer Dilma, Serra e sua equipe deveriam ter escarafunchado os podres de Lula. Agora é tarde.
A eleição de Dilma é realmente um fato histórico inédito, não só no Brasil, talvez no mundo. Ela não só foi a primeira mulher presidente de Pindorama, ela foi o primeiro presidente que ganhou sem ter tido um único voto, todos os votos foram pra Lula, como bem observou e expôs Ferreira Gullar em sua coluna de ontem, na Folha de São Paulo.
Não ter recebido nenhum voto, em meu ponto de vista, dá à Dilma uma enorme liberdade de decisões, ela, sim, poderá falar com toda a tranquilidade, quando cobrada de algo, que nada sabia. Ela não sabia, mesmo. Não prometeu nada a ninguém. Liberdade para tomar decisões como essa - eu adorei -, tirar crucifixo e bíblia do gabinete, que lugar disso é em igreja ou na casa de cada um. Se cobrada pelos cristãos, ela ainda poderá dizer que não foi uma atitude da ateia Dilma, mas da estadista Dilma a cumprir a Constituição, proclamada laica em nosso país. Que delícia deve ser cumprir uma lei que conjumina com nossas convicções pessoais.
E se ela resolve tomar conta da casa e não cumprir os compromissos assumidos por Lula com os aliados? E se ela começar a desagradar suas bases? Sofrerá pressões enormes da canalhada, isso sem dúvida. Não nos preocupemos, no entanto, com nossa presidenta, nem nos apiedemos dela se isso vier a ocorrer. Ela aguenta o tranco. Duvido que ela tenha perdido a perícia com uma submetralhadora nas mãos.

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