Receita Para Um Pais de Merda

Há tempos não lia um livro com o grau de contundência de "A Virgem dos Sicários", de Fernando Vallejo. Alguns trechos conseguiram me incomodar, causaram certo desconforto, aquele bom desconforto cada vez mais raro, de coisa nova nos chegando às vistas, ofuscando num primeiro momento e deixando tudo mais claro depois. Um assassino do politicamente correto, esse Fernando Vallejo, na pele do protagonista, também um Fernando. Não vou copiar aqui a orelha do livro, quem quiser que o leia, transcreverei um trecho, que nem foi dos que me incomodaram, um trecho onde ele dá a receita da população pobre de Medelín (Colômbia), onde ele remonta a origem do povão, com uma ironia finíssima, ri às pampas nessas poucas linhas :

"De sangue ruim, de raça ruim, de má índole, de maus princípios, não há mistura pior que a do espanhol com o índio e o negro : produzem os salta-atrás, ou seja, macacos, símios, monos, micos com rabo para que eles voltem a subir na árvore. Mas não, aqui continuam andando sobre duas patas, pelas ruas, apinhando o centro. Espanhóis tapados, índios ladinos, negros agoureiros : junte-os no crisol da cópula para ver a explosão que produzem, com a benção do Papa e tudo. São uma gentinha trapaceira, aproveitadora, preguiçosa, invejosa, mentirosa, asquerosa, traiçoeira e ladrona, assassina e piromaníaca. Essa é a obra da Espanha, a promíscua, isso é o que ela nos deixou quando se foi com o ouro. E uma alma clerical e burocrática, de barnabé, fanática pelo incenso e pelo papel timbrado. Rebelados, independentizados, traidores do rei, todos esses malnascidos resolveram depois querer ser presidente. A vontade de sentar no trono de Bolívar para mandar, para roubar, queima o traseiro deles." 

E o livro é todo assim, segue marretando sem descanso. Como é bom saber que ainda existem os que bem escrevem, e têm coragem para tal. A receita acima, o mapa para o fracasso de um país, não lhes é familiar? 
Fernando Vallejo, mais um autor que eu desconhecia, um raro que juntará a outros raros em meu panteão.

Postar um comentário

0 Comentários