A Morte Do Tocha Humana

Tenho cá para mim que o fogo é das mais belas manifestações da natureza. O ar, a terra e a água dão suporte à vida, mas não me parecem vivos de per si. O fogo, sim! O fogo berra, esperneia, esbraveja, lança suas labaredas em bravatas, o fogo esporra sua magnitude aos céus.
Devo me confessar um tanto quanto piromaníaco; piromania, hoje, controlada e quase esquecida, mas de grande atividade em minha infãncia. Eu não podia ver um terreno baldio dando sopa, ou galhos e folhas secas de podas de árvores postos na calçada à espera da prefeitura recolhê-los, ou um amontoado qualquer de lixo. Lá ia eu, com minha inseparável caixinha de fósforos Pinheiro ou Guarani, dar-lhes um fim crepitante. Punha fogo e ficava a olhar de longe, o fogo a dançar alegre e a vizinhança a xingar o filho da puta que tinha feito aquilo. Era divertidíssimo. Gostava também de pôr fogo nas garrafas plásticas de água sanitária, aquelas de plástico verde, e sair pingando o plástico derretido e incandescente, criando pequenos focos de fogo pelo caminho; à noite dava um efeito visual fantástico.
Não é de surpreender, portanto, que o Tocha Humana tenha se tornado um dos meus personagens preferidos assim que comecei a ler gibis de super-heróis, por volta dos meus 12 anos.
Segundo o dicionário Marvel, o Tocha Humana tem 1,85m, 90kg, sua força não ultrapassa os limites humanos, sendo a de um atleta bem treinado, e tem a capacidade de controlar a energia térmica do ambiente e envolver seu corpo inteiro, ou partes dele, em plasma ardente, ou seja, ele tem a capacidade de pegar fogo sem se queimar, ainda pode gerar um jato de fogo que, saído de seus pés, permite-lhe voar e atingir velocidades próximas aos 300 km/h. Em situações normais, ele fica envolto por chamas de baixa intensidade (temperaturas próximas aos 400ºC); em situações de emergência, pode gerar chamas de intensidades muito mais altas, 1.000.000ºF.
Com todo esse potencial - e mais a mística do fogo em torno de si -, sempre foi um personagem subaproveitado, sempre foi do segundo escalão da Marvel. Compunha, é verdade, um grupo do primeiro escalão, o Quarteto Fantástico, liderado pelo intelecto de Reed Richards - muito justamente, diga-se de passagem - e amparado pela força bruta do Coisa quando o intelecto de nada resolvia, além, é claro, da gostosura da Mulher Invisível; mesmo dentro do grupo, ele era relegado, visto apenas como um cara meio mimado que gostava de carros velozes e belas mulheres, tratado como um "mascote" do grupo.
O Tocha não teve a sorte de cair nas mãos de um bom argumentista, de um inglês, um Alan Moore, um Neil Gaiman, mesmo um Grant Morrison. Esses teriam dado a ele um outro status, teriam elevado o Tocha a um outro nível, no minímo, ele seria concebido como um elemental do fogo, e não um mauricinho idiota. Mas o Tocha nunca teve essa ventura.
E, agora, leio que ele morreu. Fazia tempo que não o via, que não falava com ele, aposentei-me dos gibis há uns oito anos, mas ainda o considerava um dos meus. Parece que morreu numa batalha qualquer lá deles. A morte do personagem, como é regra no universo das HQs,  pode não ser permanente, uma vez que já ocorreu na história a suposta morte de um personagem que, na verdade, estava em outra dimensão.
De qualquer forma, visto luto : acenderei uma fogueira em honra à sua passagem.
Os outros membros do Quarteto Fantástico comunicam que não haverá velório. O corpo foi cremado. Espontaneamente.

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