Ai que saudades da Amélia, porra nenhuma

"E quando me via contrariado, dizia, meu filho, o que se há de fazer?"
O que se há de fazer, ora porra? Dar a maior força pro cara ir à luta, pôr a boca no mundo, virar a mesa, chutar porta, atear fogo no cu do causador de tal contrariedade, ou seja, a Amélia devia era insuflar os brios do fulano, que o homem precisa, vez em quando, exercitar seus instintos, sentir-se o senhor da caverna.
Mas o que faz a boa Amélia? Receita conformismo ao sujeito.
A Amélia nunca foi a vítima resignada como pode a música sugerir.
A Amélia é uma tremenda canalha que vai transformando também em Amélias a todos em seu redor, com sua maligna condescendência e seus panos quentes.
Que história é essa de não ficar contrariado? Se o cara honestamente se esforçou para algo e deu em merda, ele tem todo o direito de esbravejar e blasfemar. É isso, aliás, que mantém o cara de pau duro, se ele não puder reclamar, já era.
A Amélia - tadinha - não proíbe nada, mas gradativamente os que com ela convivem perdem a vontade de fazer, a Amélia mina o ânimo de qualquer esforço, tira o sentido da luta, a gana do bicho, lentamente, sem sintomas, feito a hepatite C e quando se dá pela coisa, já não há - realmente - o que mais fazer.
A intitulada democracia brasileira usa com primazia o golpe da Amélia: o político é pego em rapina, o que se há de fazer? (todos roubam, não é?); não há postos de saúde o suficiente, o que se há de fazer?; a enchente levou tudo, o que se há de fazer? (rezam para que o bondoso deus mande menos chuva no ano seguinte); a escola pública está sucateada, o que se há de fazer? (hoje, tem bolsa-escola e cota em universidades); o policial é corrupto, o que se há de fazer? (também, pobrezinho, ganha tão mal); e a coisa por aí vai.
A democracia - e não a ditadura - transformou o Brasil num país de Amélias, não temos mais a menor vaidade.
E ai daquele que se arriscar a reclamar de algo, em exigir algum direito. Imediatamente, o indivíduo fica malvisto, é taxado de ser revoltado, de estressado, de ter algum transtorno, de ser bipolar, de estar amargando um jejum sexual brabo, e logo lhe indicam um psiquiatra, uns tarjas pretas.
Se acham que exagero, experimentem, um dia desses e apenas para dar um exemplo bem simples, entrar na fila do caixa rápido (máximo 10 volumes) de um mercado e reclamar do gordo filho da puta com o carrinho lotado que está nessa mesma fila.
As pessoas olharão para você como se você fosse o errado e não o gordo filho de puta, como se você fosse um arruaceiro.
Vivemos, hoje, a Hegemonia das Amélias.
Por isso, não nutro um grama (1 g) de dó quando uma Amélia recebe um pé na bunda ou quando um ditadorzinho de merda qualquer põe pra correr a democracia e reinstala a ditadura em alguma republiqueta sul-americana.
As Amélias merecem mesmo não ter o que comer.
Mário Lago, um dos maiores e legítimos intelectuais brasileiros, e Ataulfo Alves foram bondosos demais com elas.
Foram Amélias demais, nesse caso.

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