Luto : Teu Nome é Cleonice

A poucos seres, eu sou tão agradecido pela oportunidade da convivência, por tê-los conhecido. De poucos, a companhia pelas madrugadas me foi tão preciosa e tanto me locupletou. A poucos, gostei tanto de me dedicar, zelar e agradar. E nenhum outro fez mais jus aos meus cuidados. E nenhum outro respondeu e correspondeu tão à altura.
A música no meu toca-CDs insone sairá mais embargada, enlutada, por não mais ressoar nas tuas orelhas parabólicas; meus olhos, também, por não terem mais os teus olhos, Cleonice, a me vigiar e velar, sempre acocorada ao meu lado, ou no meu colo.
A mesa, em que passo parte de minhas madrugadas de fim de semana a beber e ouvir músicas antigas, se ressentirá da falta do teu flanar almofadado sobre ela, da tua pose de esfinge a orná-la. 
Naquela mesa sempre estará faltando ela, e a saudade dela doerá pra sempre em mim. Talvez eu até troque meu lugar de beber, talvez me sente ao chão da sacada.
Só não sei como explicar a tua partida à tua irmã, a Pretinha - teu irmão caçula, o Raul, está desconsolado. Como explicar a uma gata que a irmã foi ao médico e por lá mesmo ficou? Como saber o que passa por seus pequenos cérebros e corações felinos? A dúvida, o não saber da Pretinha, que talvez já esteja a esperar pela volta da irmã, companheira desde o útero, a cada vez que a porta do apartamento se abre, é uma das coisas que mais me doerá : não poder tentar aplacar a dor dela. E que me fará chorar por repetidas vezes. Como estou agora.
Resta o consolo, minha filha, de que foram 16 anos muito bem vividos e cuidados, e que rápido adoeceste e rápido te foste. Dois dias, se tanto. Sofreste, bichinha, não sei em que intensidade (procuro nem pensar nisso), mas por pouco tempo, ao menos.
Foste querida, amada, paparicada. Divertiu-se muito. Do teu jeito, do jeito dos gatos. Divertimo-nos muito. Do nosso jeito, do jeito dos gatos. Mesmo na morte, foste bem assistida, deixaste a vida em bom local e conduzida por mãos competentes, hábeis e carinhosas.
Tiveste, minha filha Cleonice, uma boa vida. Sete boas vidas. E isso é mais do que muita gente pode dizer.
Cleonice morreu ontem (18/10), por falência dos rins.


2007 - 2023

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5 Comentários

  1. Pela última vez a Cleonice serviu de inspiração para um post do Blogson.

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  2. É um luto profundo pra todos nós, leitores, que criamos um carinho especial pela Cleonice. Meus pêsames, Marreta.

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    1. Obrigado, Maju.
      Como eu disse, ela morreu em função da falência dos rins, mas a parada renal foi decorrência de uma doença autoimune que ela desenvolveu há cerca de cinco anos, o que exigiu que ele tivesse uma dieta extremamente restrita desde então, apenas um tipo específico de ração e uma dose quase que diária de 0,5 ml de corticoide. Com o tempo o intestino foi espessando e deixando de absorver nutrientes e água, culminando no colapso dos rins.
      Quando ela teve a primeira crise e a veterinária a diagnosticou com essa doença, disse-nos que ela teria uma sobrevida de, no máximo, uns seis meses. Mas a Cleonice cagou e andou para a previsão da veterinária : viveu mais cinco anos.
      Gostava de viver, a bichinha.
      Fará (já está fazendo) muita falta.
      E a Céu?

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    2. Cleonice foi forte e guerreira. Incrível como eles podem nos surpreender. Imagino como deve estar sendo difícil, ela parecia ser o xodó. E esse vazio nunca deixa de nos acompanhar...

      Céuzinha tá cada dia mais gorducha kkkkk agora não está tão rueira, fica mais em casa.

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    3. Por isso prefiro as fêmeas, são mais caseiras, mais companheiras. E acho que a Pretinha começou a dar pela falta da irmã, tem andado dando uns miados estranhos pela casa. Mas como explicar a ela, né?

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