Que Fossa, Hein, Meu Chapa, Que Fossa... (56)

O cantor e compositor baiano Sérgio Sampaio foi um maldito entre os malditos da MPB.
Junto aos igualmente malditos Raul Seixas, Miriam Batucada e Edy Star (o último ainda vivo), foi um dos quatro Cavaleiros Templários do Apocalipse autocondecorados com a Comenda da Grã-Ordem da Sociedade Kavernista.
E em torno de malditos, tudo é lenda, nada é fato, de nada se tem de confiáveis registro ou evidência. Tudo são rumores, conspirações sopradas baixinho aos ventos das madrugadas, nos bares sujos, pelos bêbados nos mictórios de odores fermentados, pelos corações mutilados, ecoadas em ganidos à inacessível Lua Cheia.
Reza uma dessas lendas que o projeto de Raul Seixas, na época produtor executivo da CBS, para a gravação do LP A Sociedade da Grã-Ordem Kavernistas Apresenta : Sessão das Dez, já havia sido rejeitado e indeferido várias vezes por André Midani, o então cacique da gravadora. Dizem, que movido pela ideia de Sérgio Sampaio, Raul, a se aproveitar de uma viagem, de uma ausência de Midani, reuniu o renegado quarteto e, em poucos dias, gravaram o lendário LP. Rebeldia que, na volta do chefão, custou o emprego de Raul na gravadora e levou ao recolhimento de todos os LPs que já haviam sido distribuídos pelas lojas. Assim, até hoje, o LP original de 1971 é o santo graal dos colecionadores do Maluco Beleza. 
Reza outra lenda, essa mais difícil de se crer, que Sérgio Sampaio foi o único ser vivente a derrotar Raul Seixas num balcão de boteco, a sobrepujá-lo numa justa peleja etílica. Nunca antes ou depois de Sampaio, Raul fora derrotado numa batalha de copos.
Os poucos que ainda sabem de Sampaio hoje em dia, lembram dele pela música Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua, um lamento carnavalesco do cara que, segundo as más-línguas, fugiu da briga e morreu de medo quando o pau quebrou. Mas Sampaio está longe de ser apenas a sua mais célbre canção. Foi autor de inúmeras outras joias de nosso cancioneiro, canções que transitam do rock ao bolero, do blues à seresta, do samba ao chorinho. Roda Morta, Tem que Acontecer, Cabras Pastando, Cantor de Rádio, História de um Boêmio, Cada Lugar na Sua Coisa, Velho Bandido, Meu pobre Blues, Que Loucura (na qual fala de sua internação no hospício carioca do Engenho de Dentro), dentre outras.
Sérgio Sampaio morreu em 1994, aos 47 anos, liquidado por uma pancreatite, em meio à gravação de um disco de inéditas, que ficara pendente, meio que esquecido, no limbo das canções natimortas. Em 2006, Zeca Baleiro, um cara que nutre grande respeito e reverência pelos esquecidos e injustiçados de nossa música, resgatou o trabalho de Sampaio, finalizou-o e o lançou num CD de nome Cruel.
A seguir, a pungente e abissal Velho Bode, uma das letras de que mais gosto de Sérgio Sampaio. Num de seus versos mais inspirados. a canção nos diz : "você é o fracasso do meu lado esquerdo do peito, uma corda de náilon ou de aço, que arrebenta quando eu faço Dó".
Que Fossa, Hein, Meu Chapa, Que Fossa...

Velho Bode
(Sérgio Sampaio)
Bode...
Eu não quero esse bode
Esse bode é igual
Àquele Carnaval
Que eu passei sem você
Vê se pode...
Sustentar esse acorde
Acordar pra saber
Pra me reconhecer
No minuto final

Você foi um sucesso
Na minha vida
O meu lado do avesso
O começo da minha vertigem
A origem do meu velho nó

Você é um fracasso
Do meu lado esquerdo do peito
Uma corda de nylon ou de aço
Que arrebenta quando eu faço Dó.

Ao centro e acima, Sérgio Sampaio; da esquerda para a direita e abaixo, Edy Star, Miriam Batucada e Raul Seixas.
Para ouvir a canção, na voz e no piano de um outro maldito da MPB, Eduardo Dusek, é só clicar aqui, no meu kavernístico MARRETÃO

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