Pequeno Conto Noturno (87)

02:14 h. Toca o telefone (fixo) de Rubens. Ele não sabe por que mantém ainda essa linha.
- O tempo resolve tudo o que não fomos capazes de, Rubens, o que não quisemos, o que não pudemos, o que não tivemos coragem, o que julgamos a mudança não valer o esforço e as consequências - dispara Calíope.
- Bêbada e relendo Alice no País das Maravilhas, é? A questão é : quanto tempo?
Calíope ri do outro lado da linha. Rubens emborca o resto do rum já aguado e faz dançar as residuais pedras de gelo dentro da boca, com a língua. Antes, as trituraria entre os dentes, as moeria em seus molares, tentando tomar-lhes de volta a alma do rum que absorveram; hoje, melhor não arriscar seus dentes velhos e quebradiços; que a alma do rum se perca em parte, que evapore aos poucos; como a sua.
- O segredo é sabermos esperar, Rubens, mantermos como mantra que nada é para já, que amores serão sempre amáveis.
- Tempo, tempo, mano velho, falta um tanto ainda, eu sei, pra você correr macio?
- Também acho ela um tesãozinho. Não acredita mesmo em contos de fada, né, Rubens?
- Só nas fadas.
Pede que Calíope espere um pouco na linha. Reabastece o copo com rum.
- O segredo é mantermos nossos corações de monges, platônicos e estóicos. Acha que seu coração aguentará esperar, Rubens, meu bem? Acha que seu coração aguentará o tempo necessário para que o tempo decida por você?
- Coração? O fígado, minha linda, é a minha preocupação.

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