Vinte e Oito

Vinte e oito anos
Dedicado à escrita
(contava com vinte e dois de nascido, quando admitido nos quadros etéreos e oníricos da empresa, quando ganhei meu crachá de poeta),
Sem contar o tempo de bicos e biscates
De free lancer
De estagiário e aprendiz de feiticeiro
De quando das redações da escola,
De quando escrevia cartas as mancheias
E a dedos calejados
(Sê-lo ou não selos?).

Vinte e oito anos
De madrugadas insones
De andar gólgotas pelas ruas escuras
De açudes de cerveja e de rum drenados
De contêiners de aspirina
De lagos de vômito nos quais se refletiam as estrelas e a Lua
De ressacas
De pés enfiados na jaca
De eterno naufrágo de barcas furadas
E de todos os desossares do ofício
Para cumprir a meta
Para atingir minha cota
Para ser o funcionário do mês.

Vinte e oito anos
De inspirados serviços prestados
E lá veio a cartinha, o bilhetinho azul :
Comparecer ao departamento de pessoal.

Vinte e oito anos 
E lá estava ela,
Calíope.
Diferente de mim,
Taõ bela, jovem, viçosa e de peitos duros
Quanto no dia em que me contratou
De quando a conheci
De quando, aliás, o perpétuo Sandman a conheceu.
Cada poema, poesia, texto
Dados à luz em sua fordista forja
Não são postos a comércio
Não alimentam o comércio barato de canções de amor.
Substituem cada célula sanguínea dela
Cada célula de colágeno
Cada fibra muscular perdida.
Cada poema, uma transfusão
Um transplante
Uma injeção de botox
Um drink preparado e servido pelas mãos de Ponce de Léon,
Um retoque de tinta a óleo em seu retrato de Dorian Gray.

Vinte e oito anos
E Calíope me diz :
- Seus serviços não mais me interessam,
Acomodou-se, abandonou a rima
Não fez especialização à distância,
Não fez cursos de capacitação nem de reciclagem
Nem participou de oficinas de poesia.
Contenção de despesas, meu caro
Contratarei três ou quatros novos poetas em seu lugar,
Cheios de espinhas, virgens, cabações
Com MBA em gestão de saraus e tudo,
E pela metade do preço.

Vinte e oito anos
E a poesia se me secou
Se me abandonou
Ventou-se de mim
Assoprou-me para fora dela.

Vinte e oito anos
E nada de aviso prévio
De seguro desemprego
De FGTS e aposentadoria
De caneta de ouro.
Nem mesmo um boquete,
Ou um cuzinho por despedida.

Postar um comentário

13 Comentários

  1. Se isso é estar seco de versos, caro Azarão, é de causar inveja.
    Baita verso "Sê-lo ou não selos?".

    ResponderExcluir
  2. Fiquei curiosa vinte e dois quando na admissão?
    "J"

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Vou tentar desenhar pra você. Vinte e dois anos de nascido + vinte e oito de escrita = cinquentão.

      Excluir
    2. Há- há vou tentar desenhar pra você, tá velhinho, a pergunta foi sobre qual o primeiro texto. Essas pessoas que só veem o óbvio...
      (E sim, eu nem pensei em somar kkk)
      "J"

      Excluir
    3. Eu até me lembro mais ou menos dele, mas terei que abrir o baú do Azarão, onde guardo todos meus originais. NO caso, dos poemas, os tenho numerados e com as respectivas datas.
      Se eu estiver com paciência, qualquer dia desses, eu resgato o número um, mas, com certeza, é tão ruim que nem vale a pena ser publicado.

      Excluir
    4. Sério que você tem tudo numerado? Vou aguardar então a primeiríssima edição apenas para colecionadores.
      "J"

      Excluir
  3. "Nem mesmo um boquete, ou um cuzinho por despedida"
    Se quiser, terá os dois comigo
    Ex-boiola

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Rapaz, calma que o carnaval está chegando. Aí, poderá voltar a Caldas Novas em companhia do teu macho, como é mesmo o nome dele?

      Excluir
  4. Grande Azarão.....se eu fosse tu, livrava te desse boiola logo. Mete-lhe a rola logo q ele t deixa em paz, afinal se fosse comigo iria apaixonar se, mas tu, matarás apenas a curiosidade.

    ResponderExcluir