O Cérebro é Foda

Tenho medo de tocar-te 
(mão à tua mão). 
Medo de teus olorentos poros 
Serem ventosas exatamente complementares aos meus. 
Tenho medo de abraçar-te 
(braço a braço, perna à perna). 
Medo dos teus painosos pêlos 
Se encantarem dos meus em persa tapeçaria. 
Tenho medo da tua óptica, 
Da tua mira olhos-laser vagalumeando em meu peito. 
Medo quando tão próxima respiras, 
Quando arfas e deslizas, escorrendo do leito. 
Mas medo mesmo tenho – medo de verdade – ,
Quando falas, 
Quando explicita tuas idéias, quando dizes do teu mundo, 
Num sem-fim de combinações e jogos de palavras 
Tais e quais aos que eu faria 
Caso tivesse coragem de interromper-te 
(nunca faço : sou apenas eu falando por uma boca mais bela). 
É do que tenho mais medo: 
Nossos pensamentos em unidirecional fluxo, 
Nossos rios de serotonina em caudalosa confluência. 
Dos poros, dos pêlos, do leito, 
O paladar, o olfato e o pau logo esquecem. 
O cérebro, não! 
O cérebro é foda!

Postar um comentário

7 Comentários

  1. Um dos textos mais bonitos que eu pude ler. Sério mesmo.
    "J"

    ResponderExcluir
  2. Seu texto ficou muito bom. "Persa tapeçaria" foi uma sacada absolutamente genial. Mas não resisto a um comentário de caipira careta: o texto é muito bonito, muito elegante, ótimas imagens, mas o pau no final faz lembrar alguém vestindo terno fino mas calçado com tênis ou chinelo. Pode? Claro que pode, o texto é seu e você põe o pau onde quiser (mas longe de mim!), mas fica estranho. Mesmo assim, fica o registro: ficou muito bom.

    ResponderExcluir
  3. De novo, a teoria do poeta sórdido, do inigualável Manuel Bandeira. Quando li "“Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
    Poeta sórdido:
    Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
    Vai um sujeito,
    Saí um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe o paletó ou a calça de uma nódoa de lama:
    É a vida

    O poema deve ser como a nódoa no brim:
    Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.

    Sei que a poesia é também orvalho.
    Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade.”, deu um estalo : é isso, eu também posso me arriscar em versos, não é preciso, para fazer poesia, falar de florzinhas, de borboletas, de virgens intocáveis.
    Uma provocação : se a J não reclamou ( e até gostou) do pau, acha que vou ligar para a sua estranheza?
    Em tempo e pra finalizar : o que destoa, o tênis ou o terno fino?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Falando em meu santo nome em vão?! Ou no diabo? Eu acho que o JB ficou sentido que você botou o pau com tudo no final. Eu tô acostumada, gosto do seu pau mesmo. Mexe não, deixa o pau como tá. -É assim, JB, pode causar alguma estranheza, um desconforto, mas acostuma, por fim você acaba gostando, sentindo uma faltaaa.
      "J"

      Excluir
    2. se você ligasse para a minha estranheza eu ficaria surpreso. O que destoa é o que é incomum em determinado ambiente. pensando bem, meu comentário é que é destoante no seu blog. Quanto à observação da "J", apesar de rolar de rir, mas jamais me acostumaria com a terceira pessoa do presente do indicativo do verbo rolar. Sem chance!

      Excluir
    3. Nesse caso, nada de estranheza, concordo totalmente com você, Jotabê.
      em tempo : é o destoante que faz a diferença, que dá o tempero, a força (ainda que pouca) pra gente continuar.

      Excluir