Fim da Linha

Acontece com o atleta.
Que preserva
- em salmoura -
A técnica, os fundamentos
A experiência e a malícia de seu esporte,
E que o corpo
Em Alzheimer muscular
O sabota
Marca-lhe um gol contra
Desclassifica-o por W.O.
E fim do pódio
E fim de jogo.

Acontece com o herói.
Que conserva
- em sarcófago -
O idealismo
O altruísmo
A ingênua causa do bem comum,
E que a máscara
Já se puiu e se rasgou em outros e antigos carnavais
E que o uniforme e a capa só querem ser de égide ao próprio herói
Só querem ser de cobertor e de pantufas.
E fim dos telhados enluarados
E fim do voo.

Acontece - e por que não? - com o poeta.
Que embalsama e mantém
- em formol, louco taxidermista -
Velhos escritos em empoeiradas gavetas
Velhas glórias e inspirações 
Asfixiadas em garrafas nunca lançadas ao mar,
E que a artrite
E a recidiva de uma incubada timidez
Desanimam-no e o impedem
De fazer a corte
E de tirar novas ideias
- frescas e donzelas -
Para dançar.
E fim da valsa
E fim da rima
E fim da linha.

em tempo : o texto acima surgiu por conta dos recentes lançamentos dos novos trabalhos de três dos grandes nomes da MPB, Chico Buarque, Guilherme Arantes e Os Tribalistas. Trabalhos em que cada qual nos mostra que ainda sabem fazer a lição de casa direitinho, que ainda não desaprenderam a andar de bicicleta; porém, trabalhos que, se comparados aos anteriores dos próprios artistas, mostram-se pálidos, inexpressivos. Dispensáveis para a história criativa de cada um deles. Assim como vem acontecendo, de uns dois ou três anos para cá, com os textos que escrevo aqui no Marreta.
É a podridão, meus velhos.

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4 Comentários

  1. Não sou crítico literário, não tenho a sua cultura nem a sua sofisticação (quando quer exibi-la), mas achei muito bom. Talvez por não conhecer os posts do início do Marreta (que seriam ainda melhores), talvez por serem estes versos exatamente isso: muito bons. O que venho percebendo é que você parece ter entrado na zona cinzenta da melancolia que surge (em mim surgiu) a partir dos cinquenta. Lembro-me de um comentário que fez a respeito de meus textos, quando disse que eu escrevia sobre o meu envelhecimento como se estivesse ensinando ou explicando minhas sensações a respeito. Creio que foi no próprio Marreta que escreveu isso. Parece-me que - na sua cabeça - você chegou lá.

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    1. Cinco e sete da manhã e já de pé? OLha a moagem, aí.
      Eu também levanto às cinco, mas é porque tenho que ir trabalhar. Hoje, perdi o sono, estou zanzando pela casa desde as três e meia.
      Coisa de velho?

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    2. Se é coisa de velho eu não sei, mas de gente ansiosa, sim. Para ser exato, cinco já estava tarde, pois a mó começou a triturar o cotidiano às quatro da madruga.

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  2. "Desiste, esta busca é inútil"

    Vitórias fáceis...
    Inutilidade de luta...
    Solidão sob a lua.
    Gata no cio.
    Nua.

    Esgravata telhados
    Esgana miados
    Engana desejos.

    O voo onírico acaba.
    O despertador toca.

    Fim de sonho.
    Fim de papo.
    Finda Lua.

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