Quando o Flamboyant Floresce...

Nem era ainda época da florada deles, acontece que há cerca de um mês, a caminho do banco (ver em quanto fui roubado por ele no mês anterior), dei de cara com um flamboyant em pleno cio, em total desbunde vermelho-alaranjado. Lá estava ele, no canteiro central da avenida, perfilado com vários outros flamboyants-primos-dele, e apenas ele florido. Temporão ou retardatário? Não importa, já embelezou um pouco o meu dia. Gosto de flores, são das poucas coisas admiráveis nessa natureza louca, são as bucetas das plantas.
No caso dos flamboyants, é inevitável há mais de 30 anos : sempre me lembro do prof. Paiva quando vejo um florido. O prof. Paiva lecionava matemática, geometria analítica, matrizes, essas coisas. Era um escroto, um escroto divertidíssimo sob o verniz de homem sério e carrancudo; um gozador, para quem soubesse entender seu humor.
A florada dos flamboyants ocorre entre fins de novembro e meados de dezembro, época em que os alunos se descabelavam com as provas finais de antigamente. Era nessas horas, e nesse ambiente tenso, que o prof. Paiva passeava pela sala durante a aplicação de suas avaliações, circulava por entre as fileiras de carteiras, mãos cruzadas às costas e, de tempos em tempos, proferia solene e gravemente : "quando o flamboyant floresce, o aluno padece. E porque merece."
Padecíamos, sim, àquela época. Ainda bem. Nunca vi forja funcionar a frio. Eu gostaria muito de poder repetir as palavras do prof. Paiva aos meus alunos. Por isso, sou taxado de retrógrado e recalcado pelos tais "educadores" modernos, analfabetos diplomados à distância. Essas "sumidades" dizem que a minha mágoa é não poder fazer com meus alunos o que fizeram comigo. Surpreendentemente, esses idiotas estão certos, dessa vez.
Ressinto-me em não poder fazer aos jovens de hoje o que o prof. Paiva e tantos outros fizeram por mim. Eles me ensinaram a ter disciplina, método, organização, a ser cumpridor de minhas obrigações. Em suma, a ser responsável. De quebra, ainda aprendi muito de química, física, matemática, geografia etc. Devo a eles, inclusive, muito de meu afiado senso crítico. E olha que toda minha formação básica se deu de 1972 a 1984, época da injustiçada e difamada ditadura, as escolas formavam gente, então. Claro que me ressinto em não poder fazer o mesmo pelo meu aluno.
Hoje, o aluno não mais padece, é contra a lei. A passagem dele pela escola, manda a lei, deve ser uma visita a um parque de diversões, de onde ele sai semianalfabeto, é ilegal formar um ser pensante na escola pública. Ele padecerá - verdadeiramente - depois, o resto de sua vida, de subemprego em subemprego. A ditadura terminou mesmo em 1984? Ou foi aí que ela se iniciou?
Não posso repetir as palavras do prof. Paiva hoje. Não há mais provas finais. Ainda que, por puro saudosismo, eu parafraseasse o prof. Paiva, de nada resolveria. Tenho uma média de 400 alunos/ano, garanto que nem 10% saberiam o significado da palavra "padece", muito menos o que é um flamboyant.
Não posso ensinar o currículo básico ao aluno, nem torná-lo alguém responsável. A lei não me permite. Paciência, Iracema, paciência.
Só me resta apreciar os flamboyants.

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