Há coisas que não sei desde quando as sei, informações com as quais tive contato e as retive desde a mais tenra idade - fazer barquinhos e aviões de papel, ver a hora em relógio analógicos, os de ponteiros (uma arte quase esquecida), saber que o metro tem cem centímetros, ler algarismos romanos, amarrar o cadarço do sapato, entre outras.
Há coisas que não sei que não sei, e que nunca me fará falta ou diferença sabê-las - por exemplo : nem faço ideia.
Há coisas que sei que não sei, e que pouco me importa não sabê-las - nome de modelos de automóveis, a escalação da seleção brasileira de futebol, ou de qualquer outro time, o final do novela das oito, o que o horóscopo preconiza para o meu dia, o ganhador do Oscar, ou do Nobel, nomes dos alunos etc
E há, por fim, coisas que eu sei que não sei e que se tornam e permanecem como coceiras daquelas inalcançáveis até que eu as saiba; comichões de fogo, pequenas agonias, inícios de taquicardia, que só cessam ao desvelar do conhecimento - nessa categoria, no meu caso, se encaixa perfeitamente a nomenclatura de plantas e bichos.
Se vejo uma árvore, ou um arbusto, ou um pequeno mato a florir por entre a rachadura de uma parede, ou de uma sarjeta, ou um pássaro, ou um peixe, ou um inseto etc, dos quais não sei o nome, um incômodo se instala, imediatamente.
Saber o nome, por exemplo, do ipê-amarelo se torna mais importante e premente que contemplar seu esplendor dourado; do sabiá-laranjeira, mais aflitivo e urgente que apreciar seu canoro gorjeio.
A exemplo mais real e recente, enquanto eu não soube ser lavadeira-mascarada o nome de uma espécie de ave muito corriqueira nas margens de um rio que atravessa a cidade e o qual eu atravesso rumo ao trabalho, com corpo branco e asas pretas, tamanho pouco menor que o de um bem-te-vi e, igualmente a esse, com uma faixa preta a pintar-lhe os olhos, não sosseguei, o exaspero perdurou por meses, parecia que a pequena ave caçoava de mim, decifra-me ou devoro-te. Hoje, descoberta sua identidade, passo por ela e consigo bem apreciar a geometria de suas formas e cores, seu voo, seu canto.
Surpreendi-me, por isso, quando, um dia desses, um amigo com quem volta e meia pego carona comentou, ao passarmos ao lado do muro de uma escola por sobre o qual uma frondosa árvore debruçava e debulhava seus cachos amarelos de flores, suas pepitas, o quanto estavam bonitas as acácias.
Acácias?, estranhei. Acácias-amarelas, completou ele, não conhece, não?
Claro que já vira a tal espécie, várias e várias vezes, a árvore era velha conhecida. O que me espantou foi eu não ter sabido o nome dela por tanto tempo sem que isso nunca tivesse me incomodado.
Como? A resposta, de pronto, veio lá do fundo, da infância : nunca me incomodou o fato de não lhe saber o nome, simplesmente porque eu sempre soube. Não a conhecia por acácia-amarela, mas por um outro nome, com o qual a batizamos há praticamente quatro décadas, eu e um punhado de amigos com quem estudei no ginasial em uma escola em que várias delas rodeavam o pátio.
A acácia-amarela tem frutos na forma de vagens cilíndricas, que chegam a vinte, trinta centímetros de comprimento; finda a florada, as vagens roliças ficam pendentes dos galhos, feito móbiles ao prazer do vento. Portanto, não deu outra, nós a batizamos de pé-de-pau.
Nós - eu, o Márcio, o Wander, o Íris, o André e o Fernandinho Formiga Atômica - vivíamos sacaneando uns aos outros com os paus do pé-de-pau. Bastava que um bobeasse, que desse as costas inadvertidamente ao grupo, para que o outro, correndo, lhe passasse a vagem na bunda, ou que colocasse um pau do pé-de-pau no assento da cadeira. E, claro, rolávamos de rir. Coisa de moleque idiota, mesmo; tínhamos nove ou dez anos, então.
Por isso, nunca me incomodou ignorar que o nome era acácia-amarela; eu a conhecia por um nome, que é o bastante para apaziguar minha obsessão. E, para mim, ela continuará a ser o pé-de-pau; acácia-amarela será uma espécie de apelido.
Lembrei-me, então, do Régis, outro aluno da minha classe, que, embora não fizesse parte exatamente da turma que citei acima - ele era quietinho, comportado, mimadinho, meio que filhinho da mamãe -, ficava sempre por perto de nós. E como era distraído, o Régis. Nunca percebia quando chegávamos pelas suas costas e lhe tacávamos o pau do pé-de-pau no forévis. Nunca percebia, quando ia se sentar, que tínhamos colocados um bem taludo em sua cadeira. Apenas nos olhava com um ar superior, com cara de desdém, como se fosse muito mais maduro que nós.
Hoje, vejo que o Régis não era distraído porra nenhuma. Muito menos maduro. O Régis era viadinho, isso sim! Desde aquela época! Pãããããããta que o pariu!!!
Eis um belo espécime do pé-de-pau.
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