Schin No Grau

Sabendo-me um intrépido desbravador de marcas desconhecidas - e por que não dizer, clandestinas? - de cerveja, um destemido explorador de combinações - muitas das vezes quase letais - de malte e cevada nunca dantes testadas em seres humanos, um arqueólogo do lúpulo perdido, um verdadeiro Indiana Jones do gargalo, uma amiga me presenteou com uma raridade que encontrou nas prateleiras da rede Carrefour : No Grau, da Schincariol.
Chamou-lhe a atenção o fato de que a cerveja No Grau estava em uma superoferta - R$ 0,99 a lata de 350 ml -, uma verdadeira pechincha, e, ainda assim, as prateleiras estavam repletas do produto, abarrotadas de cima a baixo. A No Grau estava quase de graça e ninguém comprava. Isso deve ser uma merda, pensou minha "amiga", vou levar uma pro Azarão.
Ela veio até a mim, logo ao início do expediente, e, numa embalagem muito discreta, me entregou a lata. Junto com ela, um desafio : duvido que você tome essa, será um trabalho de Hércules. Encarei, é lógico, a provocação, o chamamento para a briga. Como diz o filósofo Zeca Pagodinho, a cerveja e a cachaça são os piores inimigos do homem, mas o homem que foge de seus inimigos é um covarde.
Levei a No Grau para casa, pu-la a gelar e, em seguida, submeti-a ao crivo e ao rigor das análises do Instituto Azarão de Pesquisas Etílicas. O laudo, relato a seguir.
Embora o principal seja a qualidade do conteúdo, a apresentação do continente também tem certa relevância, a aparência da embalagem também conta pontos. Acredito que um visual bem cuidado predisponha favoravelmente o paladar do consumidor, exerça uma espécie de efeito placebo em suas papilas gustativas, faça o bebedor pressupor que o mesmo esmero dedicado à embalagem tenha sido igualmente dispensado ao líquido em seu interior. A No Grau não conta com essa vantagem inicial, não pode se fiar nesse expediente para agradar o pé de cana : suas cores são apagadas, pastéis, sua logomarca, em caracteres que pouco ou nada se realçam do fundo, letras sem nenhum volume ou perspectiva, nada que salte aos olhos, nada que sugira algum tipo de vibração.
Abri o lacre e deitei a cerveja em meu poderoso canecão de vidro para melhor observar seus atributos visuais, olfativos e gustativos. A No Grau, inicialmente, formou uma boa camada de espuma, de boa densidade, que, no entanto, não perdurou, logo se desfez, conferindo um aspecto de cerveja choca. A cor nada apresentou do brônzeo-dourado do malte, sim de palha pálida e anêmica do milho. Nada também do odor levemente amargo do lúpulo, só milho mesmo.
Finalmente, entornei. O aspecto de cerveja choca foi confirmado pelo gosto. Aguada. Sabor avinagrado, sutilmente metálico, dulçor inicial de sacarose e final salgado. Pra piorar, é do tipo Lager, igual a heineken, budweiser e outras merdas, modalidade de cerveja que costuma me dar uma puta dor de cabeça, o que, se por um lado, é um inconveniente, um estorvo, por outro, ainda é melhor que a famosa ardência no cu provocada por certas marcas - explico depois.
Veredicto : a No Grau foi aprovada pelo Azarão. Merece a Comenda da Boa e Barata.
No dia seguinte, comuniquei o cumprimento do hercúleo trabalho à minha amiga. O primeiro já foi, disse-lhe, pode mandar os outros onze. Que outros onze?, ela perguntou. As outras 11 latas do fardo, porra! Noventa e nove centavos a lata e vai me dizer que você só comprou uma? Vai ser miserável assim nos quintos!

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3 Comentários

  1. Meu filho (ateu) mandou uma excelente frase de "JC":
    "Se eu fosse contra o álcool, tinha transformado a água em fanta".

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    1. É a mais pura verdade! Ou teria transformado vinho em água. Por isso, não há o menor motivo bíblico para que os evangélicos não consumam bebidas alcoólicas em suas festas, casamentos, aniversários etc. O motivo deve ser usar o Cristo para não gastar muito na festa.
      Eu mesmo já fui pego de surpresa muitas vezes. Se quiser, leia o caso verídico do link a seguir :
      http://amarretadoazarao.blogspot.com.br/2014/07/jesus-nao-vai-aniversarios-de.html

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  2. Bem meu caro amigo azarado e miserável....sua memória deve estar desgastada pelo tempo, pois não relacionou o rótulo da tal cerveja a clássica ANTARTICA dos anos 80 e 90.....também pudera, naquela época quem imperava na sua geladeira eram as incomparáveis....POLAR E MALTE 90...
    https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=&url=http%3A%2F%2Fwww.casaevideo.com.br%2Fwebapp%2Fwcs%2Fstores%2Fservlet%2FProductDisplay%3FstoreId%3D10152%26urlLangId%3D-6%26productId%3D199501%26urlRequestType%3DBase%26langId%3D-6%26catalogId%3D10001&psig=AFQjCNFyv6w3DpIc7fD8cJDbKB8L75IpBg&ust=1468506797185451

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