As Boas e Baratas do Chile

Ciências, esportes, artes plásticas, literatura, música, cinema, teatro, arquitetura, gastronomia, artesanato, história dos povos, religiões e mitologias, folclore... Todas, sem exceção, atividades humanas supervalorizadas, superestimadas. Superfaturadas, eu diria, até.
Exemplos pernósticos, todas elas, da vaca que lambe e admira a própria cria. O ser humano é a única espécie capaz - e que perde tempo com - de se gabar de suas realizações. A única espécie à qual a Evolução legou o gene do pedantismo. A única espécie capaz de se dobrar e de se contorcer e chupar o próprio pau. E como o ser humano gosta de fazê-lo.
Quando um atleta recebe o ouro olímpico, ou um escritor é laureado com o Prêmio Nobel, ou é atribuída uma cifra de milhões de dólares a uma tela, o que o ser humano está a fazer é isso : chupando o próprio pau. Cada láurea, medalha ou condecoração, uma chupada no próprio pau, uma autofelação.
Quem estabelece que tais manifestações do intelecto humano têm assim tanto valor ou expressividade, a ponto de alguns receberem o rótulo de mestres da pintura ou da literatura universal? Os próprios humanos! É o próprio ser humano quem atribui valores aos seus feitos. Portanto, desconfie. Somos uma espécie autochupadora de rola.
E de todas as atividades humanas, uma das mais superfaturadas : viajar a passeio; pois subentende-se que essa coloque o turista em contato com todas as outras atividades supracitadas - cultura, folclore etc - do local em que ele aportará. 
Viajar seria o vetor que carregaria o vírus de novas informações e aprendizados, que nos inocularia com inéditos e surpreendentes conhecimentos, que nos contaminaria com diferentes culturas, que nos infectaria da enorme diversidade humana, expandindo, inclusive, nossas míopes visões e nossos tacanhos horizontes, nos tornando mais sensíveis e tolerantes às diferenças. Viajar seria o Aedes aegypti de novos conhecimentos. O chupança de uma maior ilustração.
Viajar, na cartilha decorada pelos inteligentinhos sensíveis e corretos, seria um modo lúdico de tomar contato e assimilar os hábitos e costumes de outros povos. Ninguém, dizem tais inteligentinhos, volta o mesmo de uma viagem.
O caralho! Lúdico é o caralho! Balela pura. Falácia da mais bem montadas pela enorme indústria mundial do turismo, viajar é uma arapuca para escalpelar turistas. Turista, teu nome é otário. Ninguém aprende porra nenhuma viajando.
Ninguém que passe uma semana nessa ou naquela cidade, naquele ou naqueloutro país, aprende sobre a maneira de viver dos nativos dali. A não ser que se considere como um grande aprendizado passar intermináveis e fastidiosas horas fazendo check-in e check-out em aeroportos, verificando reservas em saguões de hotel, passando outras tantas e tão insuportáveis horas dentro de vans entulhadas de turistas barulhentos para visitar pontos turísticos predeterminados e maquiados para a apreciação boquiaberta e para a selfie dos visitantes, e, para finalizar, e para ajudar na preservação da cultura local, sim, todo turista é politicamente correto, comprando souvenirs do artesanato local para dar de presente para a parentada.
O sujeito compra uma estatueta de barro tosca para enfeitar a sua estante e um tapete rústico para pendurar na parede e já se considera um especialista na cultura inca, maia ou asteca.
Não importa a cidade ou o país, não importa se litoral ou montanha, se metrópole ou rincão, todo destino turístico se resume a hotéis, restaurantes típicos, cafés, cartões-postais e lojas de artesanato local. Não tem nada de aprendizado nisso.
Quer aprender realmente sobre os usos e costumes de um povo? Deixe isso a cargo dos viajantes profissionais, dos documentaristas. Quer aprender sobre as diferenças e particularidades de outra nação ou cultura humana? Assista a um bom documentário do Discovery, da BBC, ou mesmo do Globo Repórter. Faça isso da comodidade do sofá de sua casa, confortavelmente, bebendo uma cerveja. E o melhor : evitando todo e qualquer, e sempre desagradável, contato humano. Isso, sim, é uma forma lúdica de aprender, sem o povão por perto.
Não sou fã de viagens. Não gosto de sair de casa nem para ir ao mercado. Vinte ou trinta quilômetros de distância, para mim, já é praticamente uma aventura de Júlio Verne a bordo de um balão, ou do Nautilus.
Por mim, não viajava; ou raramente o faria - somente nas passagens do cometa Halley pela Terra. Porém... acabo por viajar amiúde. Então, como diz o outro, uma vez no inferno, o negócio é abraçar o capeta; eu tento relaxar e gozar. 
Também me lanço à pesquisa e ao aprendizado de elementos da cultura local. Óbvio que eu quero que o folclore de um povo se foda, sua dança, sua música, sua culinária, idem e ibidem
Quando viajo, faço um trabalho de arqueólogo  para descobrir e desenterrar as cervejas locais. Mas nada das afrescalhadas cervejas artesanais, que viadagem é igual em qualquer lugar do planeta, que a rosca frouxa é globalizada. Me interesso pelas cervejas de macho, me aprofundo no estudo das boas e baratas - essas representam os verdadeiros e cotidianos hábitos de um povo, não são cenografia nem macumba pra turista.
Em minha estada no Chile, depois de muita dedicação e muito afinco, elegi o meu pódio das boas e baratas, cujas estampas aqui apresentarei a partir de agora. São cervejas de preços equivalentes às nossas Bavarias, Schin, Subzero, Crystal etc.
E começo com a medalha de ouro do meu pódio das boas e baratas chilenas, a cerveja Escudo, do tipo lager. É cerveja forte e incorpada, de pedreiro, como se costumava dizer antigamente, daquelas que dão uma caganeira desgraçada no dia seguinte, o que, na verdade, até que é bom, pois limpa os intestinos da indigesta e entupitiva culinária local.

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