Não Sabe Brincar, Não Brinca (Ou : Tristes e Canalhas Tempos do Politicamente Correto)

Havia uma brincadeira muito comum em meus tempos de escola, brincadeira que, espero, ainda resista e subsista pelas escolas primárias espalhadas por esse Brasilzão afora.
A molecada - e moleque é o bicho mais filho da puta que existe - pegava uma folha de papel e a grudava com fita adesiva nas costas dos colegas menos atentos. Na folha, dizeres do tipo : "passe a mão na minha bunda", "chute o meu rabo", "eu sou viado" (viado, mesmo; que não tinha isso de gay ou homossexual naquela época), "eu uso as calcinhas da minha irmã", e por aí a coisa ia.
Quem era pego na brincadeira ficava meio envergonhado, mas muito mais puto da vida, e não havia maiores traumas, a preocupação da "vítima" era, logo em seguida, sair à caça de um novo otário, passar a brincadeira adiante.
A gente chegava no colega e, como quem não queria nada, punha a mão nas costas dele, dava uns tapinhas amistosos e pronto : o papel estava grudado. Muitas vezes, já colei dessas folhas nas costas de colegas meus; da mesma maneira, muitas vezes, minhas inocentes costas já foram outdoors para essas injuriosas tabuletas.
Hoje em dia não pode! É proibido! É bullying! Pais, diretores, professores, coordenadores, todos são convocados para tratar de tão grave crime; extensos e cansativos processos burocráticos chegam a ser abertos em alguns casos.
Traumatiza, diz a canalhada que atende pelos nomes de psicólogos, sociólogos, peidagogos etc. Prejudica o desenvolvimento cognitivo do aluno, suas habilidades psicomotoras, interrompe o seu processo de socialização, causa danos irreversíveis à sua capacidade de interagir com o meio, e outras tantas idiotices que só poderiam de fato sair da cabeça de desocupados e fazedores de falsa ciência.
Não duvido nada que  um dia - se é que isso ainda não aconteceu - advogados venham a se valer de mais esse ardil canalha para atenuarem as penas de seus defendidos : "meu cliente matou, estuprou, é um psicopata, porque na escola colocaram um papel nas costas dele dizendo que ele era bicha, ou que ele queria um chute no rabo etc." Advogados, psicólogos e peidagogos são dos grandes cancros do planeta.
Pois eu digo que é justamente o contrário! Esse tipo de brincadeira só aprimorava as nossas destrezas. Tínhamos que ficar espertos, aguçar nosso instinto de sobrevivência, para prever a proximidade do predador e evitar a sua ação, para não mais passarmos por manés; ao mesmo tempo, se quiséssemos descontar a brincadeira em outro - e lógico que queríamos - também precisávamos lapidar nossos dons de aproximação furtiva, nossos talentos de caçadores.
E o principal aprendizado que essas brincadeiras nos proporcionava : aprendíamos desde cedo, de forma lúdica (como gostam de dizer os peidagogos, eles até gozam quando dizem lúdico), que não devemos dar as costas ao tal do ser humano, que sempre devemos manter uma boa dose de desconfiança para com nossos semelhantes, que por mais amigo que alguém possa parecer, um dia, por necessidade, ou pela simples oportunidade de, ele acabará por puxar nosso tapete.
Sobreviver às brincadeiras escolares por conta própria, sem correr à barra da saia da mãe, do diretor e do coordenador peidagógico (triste e inútil figura que nem existia à época), era como receber uma condecoração de guerra, uma Grã-Cruz de Ferro.
Vai daí que um funcionário, ainda não identificado, da empresa aérea australiana Jetstar resolveu matar saudades de seus tempos de escola, de suas picardias estudantis. Usando etiquetas adesivas, daquelas em que se escrevem os nomes dos passageiros nas bagagens, o número do voo, o número da poltrona etc, ele compôs a seguinte mensagem na mala de um passageiro: "I am Gay", ou seja, "Eu sou uma bichona".
O passageiro estava lá, pacientemente a esperar por sua mala naquela esteira giratória e ela aparece com essa surpresa. Muito bom! Genial!
O passageiro não é gay, é casado, tem dois filhos e diz se sentir "enojado" com o ocorrido. Enojado? Só por isso? E ainda diz que não é gay? A empresa instaurou uma séria investigação na busca pelo gaiato e promete que cabeças vão rolar.
Pãããããta que o pariu!!! Em tempos do canalha politicamente correto, brincar virou crime federal, quiçá inafiançável.
Se fosse comigo, eu também exigiria a abertura de uma investigação por parte da Jetstar, eu também quereria conhecer o responsável pela molecagem. Mas não para, em nome de minha honra (que palhaçada), impor a ele um pedido de desculpas, tampouco determinar sua demissão sumária. 
Quereria conhecê-lo para sentar com ele num bar e tomarmos umas geladas. O cara deve ser uma figura, daríamos boas risadas, tenho certeza.
E à despedida, já tornados em amigos (bêbado faz amizade com uma facilidade...), eu o abraçaria e daria amistosos tapinhas em suas costas. Amistosos, sim; porém, nada inocentes. Ele iria para casa com uma folha de caderno grudada nas costas : "Eu quero um pinto pra chupar!"

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1 Comentários

  1. No meu ''tempo'' era ''chute-me'', e o pirralho só percebia a folha e entendia o que estava acontecendo, depois de ser chutado por metade da escola.

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