Pequeno Conto Noturno (33)

- Castrei meu gato - Felícia prendendo os cabelos em coque e soprando os peitos, espantar o suor.
- Não sabia desses seus dons cirúrgicos - Rubens limpando o pau no lençol e servindo uma boa dose de gim para ele e Felícia.
- Tá... Mandei castrar o meu gato, paguei para um veterinário castrar. Melhorou?
- Para o gato, não. E por quê? Inveja do pênis?
- Só tem gim, é? Tem gosto de perfume. E o que é isso agora, achei que não acreditasse em Freud.
- Não acredito, mas ele existe.
- Feito deus? - Felícia dando uma talagada, para anestesiar as papilas gustativas, a língua, as mucosas, acostumar-se ao gosto do gim.
- Diferente de deus, porém relacionados.
- Desembucha, Rubens...lá vem história...serve mais um pouco desse perfume aqui.
- Não tem história, é rápido e simples. Freud se meteu a decifrar os sonhos coletivos, errradamente; deus é um sonho coletivo, errado.
- E você é o quê - pergunta Felícia -, meu pior pesadelo?
- O meu.
- E tudo porque mandei castrar o gato... - Felícia envolvendo a perna direita de Rubens com as suas pernas, no balé esquisito do Chico.
- E se não por inveja do pênis que faz as gatas chorarem na madrugada feito crianças recém-nascidas, por que mandou castrar o gatinho?
- Sei lá, todo mundo manda castrar, eles ficam procriando por aí...
- Medo de ser avó? De que as donas das gatinhas a quem ele possa ter feito mal apareçam para exigir pensão alimentícia e auxílio-areia?
- Tomar no cu, você não quer, né?
- Eu estava pensando justamente em lhe perguntar isso, daqui a pouco.
- Nem vem! É sério, Rubens, tô preocupada, ele tá engordando muito, em pouco tempo.
- Pudera. Corte as bolas de um macho, tire seus passeios pela madrugada, seus telhados, a Lua, o rock'n'roll, as pupilas dilatadas, e o que lhe resta se não engordar, de desgosto?
- Ainda estamos falando de gatos?
- De machos.
- Com gente também é assim?
- Provavelmente - E Rubens sai para a cozinha, ver se o gelo já se solidificou nas forminhas.
- E os eunucos? - pergunta Felícia, enquanto recebe três pedras de gelo em seu gim.
- Que tem os eunucos?
- Eles eram castrados, não eram?
- Sim.
- Só que eles não eram gordos, eram fortes, marombados.
- E onde você já viu um eunuco?
- Nos filmes.
- Pois é, nos filmes
- Quer dizer que homens castrados também engordam?
- Homens casados engordam.
- Quer casar comigo? - Felícia se enroscando em Rubens, manipulando-lhe o que o gato dela já não tem.
- Jamais. Estou satisfeito com meu peso. E, principalmente, com meu pau.
- Sabe que falando em pau, eu olhando o seu, assim, começando a se espreguiçar, querendo participar da conversa, confesso que me dá um bocadinho de  inveja de não ter um...
- Eu fico feliz que você não tenha.
- É sério, a gente se derrete, vocês se solidificam.
- Eu posso emprestar o meu para você, se garantir que me devolve.
- Devolvo, só não sei em que estado de conservação; devolvo, mascado e regurgitado.
- É justo.
Dentes, pelos e garras envolvem Rubens.

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