Azeitona Com Caroço

Tenho um amigo - em certos aspectos, um mestre - que é um fervoroso adepto da Teoria da Conspiração. Para ele, governos, cientistas, sociedades secretas (maçonaria, illuminati e que tais) e até extraterrestres vivem em eterno conluio para orquestrar os rumos e os destinos do ser humano.
Política, economia, religiões, usos e costumes, controle populacional, conhecimento, informações e contrainformações, sexualidade, tudo. Para ele, tudo está sob a mira incansável e a batuta inflexível dos donos do poder.
Até concordo que não seja conduta das mais salutares olhar para a vida e para o mundo como se fossem um jogo de futebol cujo resultado já fora comprado, decidido nos vestiários, em que o placar final independa dos aparentes esforços dos jogadores e do apoio da torcida. A constante desconfiança, sem que se perceba, pode se verter em grossa paranoia; além disso, pode se instalar no sujeito um quê de desesperança frente à inutilidade de suas ações, uma vez que tudo está, de alguma forma, predeterminado, desesperança que, se não muito bem monitorada e cuidada, pode se encorpar em uma profunda depressão.
Mas será que, por outro lado, é prudente desprezarmos todas as teorias conspiratórias, taxá-las de simples maluquices e acreditarmos que estamos no total controle de nossas vidas e decisões? Será que não seria recomendável, vez em quando, nem que a título de elocubração, considerar a possibilidade de uma orquestração global por seletos grupos de poderosos?
E não digo isso porque tenha passado a última década a escutar as histórias de meu amigo e possa ter sido contaminado e cooptado por seus deliciosos "causos". Digo isso porque não vejo mesmo explicações outras, que não essa, a da conspiração, para algumas coisas que estão a acorrer mundão afora.
Falo, nesse caso, da crescente e galopante idiotização das novas gerações. É notório que boa parte dos jovens, que conclui, hoje, o chamado Ensino Médio, sai analfabeta das escolas. Semianalfabeta que seja, ou analfabeta funcional, como preferem, sabe-se lá por quê, os peidagogos.
Não há nenhum mistério a rondar as causas do analfabetismo funcional. Ele é produzido pelo descaso proposital do Estado, que quer criar verdadeiros exércitos de mão de obra barata e de consumidores vorazes, e pelo descaso cômodo da maioria das famílias, que pouco se interessam pelo real aprendizado dos filhos, para as quais basta que o filho esteja preso na escola, pajeado e bem alimentado.
Contudo, não é do analfabetismo que falo, é de algo muito pior, é da idiotização. Já conheci algumas pessoas analfabetas totais, sobretudo pessoas de mais idade, que foram jovens em épocas em que realmente não tiveram acesso a uma escola. Analfabetas, sim; espertíssimas, porém. Essas pessoas não sabem as letras, mas sabem ler perfeitamente o mundo em que vivem, percebem claramente o que lhes rodeia. São analfabetos, não são burros.
Essa atual leva de aprendizes nada lê, ainda que decifrem capengamente a escrita, dela nada entendem ou extraem. E suas leituras de mundo, então? Aí é que desgraça tudo, aí é que a porca torce o rabo. Não têm a menor noção do mundo em que estão inseridos, nada percebem da realidade, são incapazes de absorver e, muito menos, de processar qualquer informação que lhes chegue pelos cinco sentidos, chegue essa informação via texto, som, imagem ou cheiro.
Como professor, tenho vários e vários exemplos desse triste alheamento dos jovens, do estado de embotamento em que estão seus cérebros. O caso que irei contar (e que muito me assustou) ocorreu há poucos dias, e já conquistou um nada glorioso lugar na minha galeria dos campeões.
Estava eu no supermercado - sempre o mercado, esse circo de horrores - a comprar uns frios para beliscar com a cerveja minha de cada dia. A atender no balcão, um rapaz com idade que estimei entre 16 e 20 anos. Solicitei-lhe um pedaço de uns tantos gramas de muçarela e outro pedaço de uns tantos gramas de presunto, e tudo bem até aí. 
Então, pedi-lhe um certo peso de azeitonas verdes com caroço. Ele se dirigiu às prateleiras em que ficam aqueles recipientes globulares de vidro, aqueles aquários em que os produtos são mantidos em conservas de salmoura, e parou em frente a dois deles, um contendo azeitonas verdes com caroço e o outro, azeitonas verdes sem caroço. Ao menos, ele parecia saber o que era uma azeitona e conhecer a cor verde, ponto positivo para ele. Mas aí, ele estacou. Olhava para um aquário, olhava para outro, olhava de novo, e de novo. Virou-se e perguntou a um outro funcionário : "Ô, fulano, qual é a azeitona com caroço?"
Qual é a azeitona com caroço?!?!?! Garanto que não estou a inventar isso. O que ele não sabia, o que o colocou frente a tão excruciante dilema, o que o encalacrou nesse verdadeiro enigma da esfinge?  Será que ele não sabia o que era um caroço, ou desconhecia o significado das preposições com e sem? Será que o enorme buraco no centro de algumas azeitonas não lhe denunciou a ausência de algo, talvez do caroço? Será que ele sabia que azeitona que tem caroço?
A coisa não parou por aí. Para finalizar, pedi-lhe uns quantos gramas de cebolinha em conserva. Dessa vez, ele nem se arriscou, perguntou direto ao outro rapaz qual era a cebolinha, e foi informado de que eram as bolinhas brancas da prateleira de cima. Ele foi ao lugar indicado e enfiou a concha num aquário, no aquário do tremoço!!! Que estava bem ao lado do da cebolinha. Pããããããããta que o pariu!!! O colega imediatamente o corrigiu e, finalmente, eu recebi minha encomenda. 
O que teria sido dessa vez? Será que o sujeito nunca antes vira uma cebola em sua vida?
Eu vejo casos e mais casos similares a esse, ainda que não tão gritantes. Todos os dias, pelas salas de aula por onde passo.
Entendem o que estou tentando dizer? Por mais descaso que os governos tenham para com a educação - e eles têm -, por mais desinteresse que as famílias tenham pelas vidas escolares de seus filhos - e elas têm -, por mais que existam deficiências na formação dos novos professores - e elas existem -, não pode ser só isso. Mesmo que tudo isso seja muito, não pode ser só isso.
Tem que haver algo a mais por trás do rapaz que não sabia o que era o caroço da azeitona. Não é só analfabetismo funcional. Parece uma nova, desconhecida e desconsiderada modalidade de autismo. Causada pelo quê?
Meu amigo responderia, convicto : "excesso de flúor na água, hormônios na comida, mercúrio nas vacinas, micro-ondas dos aparelhos celulares a fritar o pouco cérebro com que o sujeito nasce, partículas aspergidas na atmosfera - pó de alumínio, fungos, vírus -, espalhadas pelos chem trails dos aviões".
Total delírio, loucura absoluta? Duvidam?
Eu, não. Não mais.

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2 Comentários

  1. E a coisa só piora. Piora porque é na mão dessa maioria semianalfabeta que se encontra o grande desejo de todos, o dinheiro. Motivado a isso, aqueles que podiam levar um pouco de cultura às massas - redes de TV, formadores de opinião, cantores e artistas - acabam por sucumbir ao capitalismo e se entregam à podridão produzindo apenas lixo, pois é isso que vende. O último que me surpreendeu foi esse rapaz que recentemente está fazendo sucesso, o tal Naldo. Numa entrevista descobri que ele é dotado de um bom dom musical e tem na ponta da língua canções de artistas como Tom Jobim, Vinícius, Cartola, entre outros. Mas levado pela moda, acabou se entregando às músicas que nada com nada dizem. Talvez se não tivesse feito isso eu também não conheceria ele. E assim fazem muitos outros. Diretores, cantores e atores. Disse Falcão certa vez: "Eu tentava fazer poesia, mas não vendia, então comecei a fazer merda, porquê é disso que o povo gosta, e assim fiquei famoso". E é dessas merdas que as crianças de hoje em dia aprendem a gostar... e é disso que vão gostar a vida toda.

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    1. Pois é, lixo musical sempre existiu, mas sabíamos que era lixo, ele nos era apresentado como lixo. Hoje, não. Servem merda aos nossos jovens e crianças como se fosse caviar. E como eles nunca comeram caviar...
      Obrigado pelo comentário.

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