Pequeno Conto Noturno (17)

- Nossa, há quanto tempo eu não fazia isso...
- O quê, tomar café?
- Não o café em si, né, o café assim, numa padaria, às quatro da manhã, pão recém-saído do forno, depois de ouvir uma boa banda de blues, de umas cervejas bocks nesse friozinho.
- Para mim, só as bocks bastariam.
- Larga de fazer tipo, sei que você não é tão insensível assim. Sabe do que mais gosto em uma padaria, Rubens?
- Do pão?
- Palhaço. Do cheiro, do cheiro de padaria. Sabe aquele cheiro que a gente sente quando passa do lado de fora? Que a gente entra doida pra comprar e nunca acha de onde vem?
- Sei. Deve ser alguma substância química, algum odor artificial que eles espalham para atrair as pessoas.
- Nada disso - retruca Helga -, deixa de ser chato, a gente nunca acha porque é uma mistura de tudo e varia de padaria a padaria, dependendo do repertório do confeiteiro. Não existem duas padarias com o mesmo cheiro, é feito uma impressão digital.
- Impressionante - diz Rubens -, isso dá até uma tese.
-Vai brincando. Quando eu era criança, eu entrava na padaria perto de casa e pedia pro balconista o doce que tinha aquele cheiro lá de fora, ele apontava para todos os doces e dizia que cada um compunha um pouquinho daquele aroma. Eu gritava que ia levar todos, então. E eu sempre arrancava risos dele.
Rubens se inclina em direção à Helga, junta o seu cabelo com a mão e o joga todo por sobre o ombro direito dela, deixando desguarnecido e vulnerável o lado esquerdo. Aproxima o nariz do pescoço dela - mantendo-o a milímetros de tocá-lo, à justa distância da penugem que o reveste - e aspira, fundo e demoradamente.
- O teu cheiro também não é nada mau.
- Ah, é? E é cheiro de quê?
- Uma mistura. Perfume, antiperspirante, shampoo, maquiagem, bebida, suor, cigarro,  croissant, buceta.
- E que doce vai querer?
- Acho que vou levar todos, então.
E Rubens arranca risos de Helga.

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