Caça-Níqueis De Boteco De Chinês

Eu tinha planejado meu ato solitário, mudo e inútil de rebeldia para o dia de hoje, dia em que a democracia nos obriga a ir às urnas, sob pena de multa ou justificativa.
Visto que vigora uma "Lei Seca" que impede o consumo de bebidas alcoólicas até às 17 horas em locais públicos nos dias de eleição, decidi que iria tomando uma latinha de cerveja no percurso de minha casa até o local de votação, a latinha já estava a postos em minha geladeira desde ontem. 

Já me imaginava de latinha em punho, a pisar o asfalto com passos e ares de Al Capone, torcendo para que o Kevin Costner ousasse se interpor em meu caminho. Eu sacaria de minha arma e estouraria seus miolos; rapaz, como eu adoraria estourar os miolos do chato do Kevin Costner.
Aí, pouco antes de dormir, sem querer, vendo as últimas tendências das eleições, descobri que em alguns estados da federação, incluso o de SP, não haveria a tal Lei Seca nesse pleito, a bebida estava liberada.
Pronto, meu ato rebelde havia sido posto por terra, neutralizado. Essa é a merda de viver sob uma Constituição permissiva, aqui tudo pode, nem dá pra brincar, vez em quando, de fora-da-lei. Desanimei e fui votar a seco, mesmo.
Pelo menos, pensei eu ao chegar na porta de minha seção eleitoral, a coisa será rápida, havia apenas 4 pessoas na fila. Acontece que  meu azar costuma falar mais alto nessas horas e alterar todas as probabilidades aparentemente favoráveis. E hoje não foi diferente.
De repente, do nada, alguém deve ter aberto a porta de algum asilo geriátrico ali por perto, choveram idosos na minha seção, não está escrito em nenhum gibi o tanto de bengalas, orelhas peludas e cabelos roxos que passaram na minha frente. E o tempo que a velharada demora pra votar? Velho devia ficar em casa, já fizeram o que podiam pelo mundo, ou seja, nada; deviam ficar em casa e passar a vez para os mais jovens tentarem fazer o que puderem pelo mundo, ou seja, nada também.  
Quando eu for velho, quando for considerado legalmente velho, nem sairei de casa. Ou melhor, sairei apenas para ir ao mercado comprar minha cerveja, minha pouca ração e, ninguém é de ferro, para dar uma olhadinha de soslaio nos peitos das moças do caixa.
Enfim entrei e comecei a votar; anulei deputado estadual, Tiririca para deputado federal, nulos também para os dois senadores e o governador, e legenda 45 para presidente.
Um fenômeno paranormal ocorreu quando digitei 45 e apareceu lá a foto do José Serra, ao lado da foto do Serra, surgiu uma foto minha, de quando eu tinha meus 15, 16 anos, com cara de censura e reprovação ao meu voto.
Eu sou chato hoje, mas ninguém tem noção do quão mais chato eu era na adolescência, fui daqueles adolescentes tímidos, que só assistiam a cult movies, frequentava debates e mesas redondas na época das fraudulentas Diretas Já, fazia ares de politizado, toda essa merda que nunca serviu pra nada. E foi esse meu EU que apareceu lá ao lado do Serra quando meu dedo estava para confirmar o voto no Vampiro. 
Hesitei por uma fração de segundo, mas reagi, afinal quem é que paga as contas? Eu ou aquele fedelho que nunca fez nem pro papel com o qual limpava a bunda? Eu ou aquele idiotinha que nunca conseguia nem pegar mulher? Mandei-o mentalmente tomar no cu e sua foto desapareceu. Tasquei o dedo no "confirma".
Incrível como ando cada vez mais reacionário, mas talvez essa seja minha rebeldia. Em tempos de indefinições, imprecisões, de valores postos de ponta-cabeça ou simplesmente eliminados, de realidades cada vez mais confusas, mutáveis e efêmeras, ser rebelde é isso : atracar-se ao tradicional.
Se bem que tudo isso não muda em nada o já programado nas altas esferas, essa eleição já é da Dilma, candidata do governo, as urnas já estão manipuladas para a "casa" ganhar, já estão viciadas feito aqueles caça-níqueis de buteco de chinês, todo mundo joga sabendo que vai perder. Senti-me assim, votei contra a situação, mas sabendo da inutilidade, o chinês sempre ganha.
Quis sair de casa como um Al Capone, não deu. 
Voltei para casa orgulhoso de meu reacionarismo, voltei para casa com andar de Clint Eastwood, com minha magnum .44 no coldre sob o sovaco.

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