Calmaria

Acordo.
Logo, existo.
Penso? Não sei.
Ainda é madrugada para a maioria dos galos da cidade.
O filho dorme tranquilo no berço,
A mulher, na cama, idem.
Deslizo pelo corredor sem acender as luzes,
Cumprimentando o escuro.
Porta do corredor fechada, começo a acordar a casa,
A sala, a sacada,
As duas gatinhas,
A cozinha.
Com um banho de água fervente, acordo o café,
Que, tragado, me devolve o gesto, imediatamente.
Fico a mirar o negro dessa hora,
Mais negro que o costume, já que horário de verão.
O intestino anuncia seus préstimos,
Vou e dou uma bela e retumbante cagada,
Dessas de romper o espelho d´água,
Dessas que nos deixa mais leves
E confiantes de que algo ainda funciona nesse mundo.
Mesmo que sejam nossas tripas.
Tenho um emprego,
Não uma função ou serventia,
Um emprego.
Estável, público, burro,
Que garante, contudo, o meu sustento
E a cerveja de todas as noites.
Um filho protegido e bem-cuidado,
Uma bela cagada pela manhã
E saber que terei cerveja à noite...
O que eu,
Um cara que nunca teve a ilusão de ser filho de algum deus,
Posso mais querer da vida?

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