A Era Das Mariposas

Assisto pouco à TV, ainda menos aos telejornais e tento de todas as maneiras não tomar conhecimento de sensacionalismos. Mas volta e meia uma desgraça é eleita pelas mídias e repisada de tal maneira que se torna impossível não se inteirar dela.
É o caso dessa menina, Isabela Nardoni. Pelo que sei, ela foi jogada da janela de um apartamento (6º andar, é isso?) e os indícios apontam pai e madrasta como os autores.
É triste, terrivelmente triste. Estamos, porém, entre humanos e entre humanos essas coisas acontecem. Mais que o crime, causaram-me espanto (vi sem querer) as declarações da avó da menina aos jornalistas.
Essa senhora estava, acho eu, dirigindo-se ao local do julgamento quando foi cercada por repórteres e uma multidão a brandir cartazes e faixas clamando por justiça à Isabela, todos desejosos de aparecer no Jornal Nacional.
A avó envergava uns óculos escuros gigantes, parecia uma libélula dark, fazendo supor seu grande pesar, fazendo supor olhos chorosos por detrás. Entretanto o resto do semblante não era concernente à presumida tristeza dos óculos escuros, notava-se (eu notei, será que estou sendo maldoso?) até laivos de sorriso e ao ter os microfones e camêras ao seu dispor, a avó disparou que estava achando lindo aquilo tudo.
Peraí! Puta que o pariu! Ela estava achando lindo o quê? A neta ter sido assassinada? Estava achando lindo, emendou na sequência, o amor daquelas pessoas por sua neta. Que amor, porra? Quem ali conheceu a menina? E, para fechar a entrevista com chave de ouro, a avó levantou o braço para as camêras e exibiu uma tatuagem com o nome da neta no antebraço.
Tanta sandice, tanto descaso, tanto desatino e banalização por um único objetivo : aparecer.
Aparecer é o verbo que melhor representa essa Era em que vivemos. Todos querem ganhar notoriedade, tornar-se uma celebridade instantânea.
A Idade Média foi rotulada de a Idade das Trevas, sucedeu-lhe a Renascença e o Iluminismo, a Idade das Luzes, onde despontaram uns pensadores até que bem legaizinhos.
Vivemos, hoje, a Idade dos Holofotes, todos querem ser iluminados por luzes de 1000 W, todos querem brilhar, todos correm ávidos à procura de holofotes que lhes ilumine a região anatômica conhecida cientificamente como "lá onde o sol não bate". Brilhar é o que todos querem, a qualquer custo.
E esse tesão pelo neon é mais marcante nas mulheres (vide a avó, nem se falou do avô). Claro que existem homens também afeitos aos holofotes, mas são aqueles que se depilam, tiram as sobrancelhas, pintam os cabelos, passam hidratante, tiram cutícula... não dá nem pra chamar muito de homem.
A velha MPB, delicada e eufemisticamente, chama de mariposas a essas mulheres adoradoras dos luares artificiais (a nova MPB, que desconhece inclusive o que seja eufemismo, as chama mais realisticamente de cachorras).
As mariposas estão presentes em várias letras do antigo cancioneiro popular, de Adoniran Barbosa a Nélson Gonçalves.
E, para encerrar, vem de Nélson Gonçalves o recado e o alerta mais significativo para essas pessoas que se deixam deslumbrar pelos holofotes, no trecho da música "Mariposa":

"Segue teu caminho, mariposa,
Já que essa luz te embriaga.
Mas nunca te esqueças, mariposa,
Que toda luz se apaga.
Presta bem atenção, mariposa,
Nesse aviso derradeiro:
Antes que a luz da cidade se apague, pode cegar-te primeiro"

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