Eu Bebo, Sim, e Vou Vivendo...

Nasci outono. Na vida, fui tardio em tudo - a primeira punheta, o nascer dos pelos e da barba, o primeiro beijo, a primeira trepada, a conclusão da faculdade, o único filho -, toda a minha bagagem sempre me chegou no último vagão do trem. 
Assim sendo, o meu contato com a sacrossanta água benta que coroinha não bebe também se deu, para os padrões atuais e mesmo para os da época, tardiamente, ainda que de forma intensa, como já relatado em minúcias aqui no Marreta em A Origem do Azarão. Mas o fato é que depois de minha bombástica estreia, depois de minha apoteose do rum, passei quase dois anos sem pôr novamente gota de álcool na boca, quando, então, lentamente, comecei a tornar à prática, sempre que ia a uma das já lendárias festas na já mítica república do Fernandão. Não tive coragem de encarar o rum; reiniciei de forma leve, só na cerveja.
Durante muito tempo, bebi pouco e muito esporadicamente, só mesmo nessas festas, só em ocasiões sociais, o que - bicho do mato que sempre fui - fazia de mim, praticamente, um abstêmio; no máximo, um diletante, um ºGLS, um simpatizante de Gay Lussac (essa, só os com certa cultura sacarão, só os com erudição de palavra cruzada nível difícil).
O tempo, porém, passou; morei sozinho em outra cidade, voltei, casei, a profissão que escolhi foi transformada em merda, os TOCs aumentaram, assim como as obrigações, falta-me, hoje, o ócio, nasceu o filho etc. A cerveja foi meio que sendo o plástico bolha de todas essas mudanças, um amortecedor para que eu não me quebrasse em meio aos inevitáveis solavancos do percurso. A cerveja foi cada vez mais se aconchegando ao meu sofá, assistiu às dez temporadas de Friends comigo, e às oito de House, foi se tornando cada vez mais em um animalzinho de estimação a dormir enrodilhado em meus pés no tapete da sala. 
De tal maneira que, de uns 6, 7, 8 anos para cá, a loira gelada se fez em presença constante de meus fins de noite - uma inquilina, uma agregada da família -, duas ou três latinhas, nunca mais do que isso, mas uma presença constante. Vez ou outra, ficava até quarta, quinta-feira, sem beber, mas apenas vez ou outra.
Até que, há quase quatro semanas, resolvi dar um basta nessa putaria. Decidi que beberia cerveja em apenas um dia da semana, e elegi o domingo, o dia do Senhor; quatro ou cinco latinhas depois do Domingão do Faustão ajudam a dar uma apaziguada na tensão pré-segundona.
E tenho passado bem assim. É bem verdade que as noites ficaram um pouco mais sem graças, mas não chego a sentir falta real do álcool, aquilo de síndrome de abstinência, de delirium tremens e coisa e tal.
Até que, ontem, caiu-me a seguinte manchete aos olhos : "Uso diário de álcool reduz expectativa de vida". Primeiro, pensei em quantos de meus anos já teriam sido reduzidos, mas, depois, me felicitei por ter tomado a decisão de restringir minha bebedeira aos domingos. Resolvi ler o artigo, até como uma maneira de reforçar minha decisão e, sobretudo, de fortalecer a minha fraca e desavergonhada força de vontade.
O estudo, conduzido por uma equipe de investigadores liderada por Angela Wood, docente na Universidade de Cambridge, Inglaterra, associou o consumo superior a 12,5 unidades de álcool por semana, a um maior risco de acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência cardíaca, aneurisma fatal e morte. 
As tais 12,5 unidades de álcool equivalem a cinco taças de vinho por semana, ou a sete latas de cerveja. Acima desse patamar, a expectativa de vida se reduz. A questão é, em quanto? Continuei a ler. Segundo a equipe de pesquisadores, que investigou 599.912 consumidores atuais, oriundos de 19 países, aqueles que consomem de 10 a 18 taças de vinho semanais, ou de 14 a 25 latas de cerveja, o que era o meu caso há um mês, terão o seu tempo de vida esvaziado em - rufem os tambores - um ano!
Pããããta que o pariu!!! Isso quer dizer que, ao invés de eu viver 80 anos todo sóbrio, cheio de siso e sisudo, carrancudo, rabugento, cuspindo marimbondo, eu vou viver 79 em um leve estado de graça e embriaguez. Compensa! Compensa pra caralho! Ou, ao invés de 70 anos, 69! Ou, ao invés de 60, 59! Ainda que tivesse sido, ao invés de 20, 19, teria compensado. Para os que excedem o limite das 18 taças semanais, a vida se encurta em até 5 anos. Ainda assim.
A fé religiosa de que praticar bons hábitos e me abster dos ruins vá me proporcionar um lugarzinho no Céu, eu não tenho. A pouca crença que ainda conservo, e que a cada dia também está a se esmaecer, é na Ciência. E nessa hora de tão difícil transição, até ela me falta, nem ela me conforta! Um ano a menos de vida? Vê se isso é coisa de se dizer a um bebum? Oh, Ciência, onde estás que não responde?
Por isso, não se surpreendam - estou me segurando desde ontem, desde que li o tal artigo - se, ainda hoje, daqui a pouco, antes do mercado fechar, eu não faça lá uma incursão e saia com uma meia dúzia de latinhas.
E vou parando por aqui, que, hoje, salvo engano, o mercado fecha às 19 horas.

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8 Comentários

  1. Marreta, já foi ver Vingadores: Guerra Infinita?

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    1. Por quê? Não é fã do aranha?
      Não é leitor de estórias em quadrinhos?
      Não gosta de cinema?

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    2. Nunca fui fã do Aranha.
      Já fui leitor assíduo e contumaz de quadrinhos, devo ter guardados, em caixas de papelão e protegidos por naftalina, pra mais de 2 mil gibis. Mas não consigo gostar dessa atual geração de merdas que se diz argumentista e desenhista.
      Sim, gosto de cinema, mas eles têm um sério defeito, hoje, na porra da cidade em que moro, estão todos nos shopping centers. E eu odeio shopping center e seus ridículos frequentadores.

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  2. Acredito que a questão da elitizaçao dos cinemas é no brasil todo. Aqui em recife, so restou um no centro da cidade (o belo e tradicional Sao Luiz) mas que passa a maior parte do tempo fechado e quando abre, é só filmes de esquema alternativo. Quem quiser ir assistir um filme pipocao, tem que ir nos cinemas dos shoppings e pagar fortunas por um ingresso. Tô fora. O jeito é apelar pra o pirateiro de dvd mais próximo.

    Cássio - Recife/PE

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  3. RUM... VINHO... CERVEJA... COMO ESSE MARRETÃO É LUXENTO!!! ENQUANTO ISSO, EU ME LASCO NA PAU DENTRO(CACHAÇA COM CASCA DE PAU E RASPA DE RAPADURA). E, OH!!! SE VOCÊ QUER SABER, NÃO TENHO UM FARELO DE "GURDURA NO FIGO"...

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    1. Grande Guerrilheiro!
      Do rum, devo confessar, sou um grande apreciador; já de vinho, não entendo picas.
      Não tem um farelo de gordura no figo? Ué? Para mim, você nem tinha mais figo!
      Abraço!

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  4. CONFESSO QUE SÓ FICOU A SETINHA... JAZ!!!

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