Há de Ser Nada

Nada me falta. 
Há, no entanto, grande hiato em mim. 
Não há de ser nada. 
É só que ando triste de novo. 
Nada daquela tristeza vulcânica. 
É uma tristeza mais calma, mais mansa, 
Tristeza quase mecânica, 
Tristeza de quem não entende a piada, 
De quem os pés se recusam a entrar na dança. 
Nada daquela tristeza de prantos em avalanche, 
É tristeza preguiçosa 
Tristeza de lágrimas sem som e sal 
Como uma infiltração em parede velha. 

Nada me assalta 
Há, apesar disso, grande inexistência em mim. 
Não há de ser nada. 
É só que ando meio sozinho de novo. 
Nada daquela solidão oceânica. 
É solidão fininha, zumbido de pernilongo, 
Solidão que se ajeita ao nosso lado, no sofá, 
Pra comer da nossa pipoca. 
E fica quieta, sem dizer palavra 
Feito cachorro deitado aos nossos pés. 
Fidelíssima. 
Nada daquela solidão de infartar sismógrafos 
É só aquela solidão de louça suja na pia. 
De encolher e encalhar sob as cobertas com o peito encolhido. 
Solidão de quem se descobre mais querido do que imaginava, 
Solidão de livro não-publicado 
Solidão como tantas outras. 

Não há de ser nada. 
Mas essa noite será mais uma daquelas 
Em que o sono demorará a chegar.

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2 Comentários

  1. O homem velho deixa a vida e morte para trás
    Cabeça a prumo, segue rumo e nunca, nunca mais
    O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais
    O homem velho é o rei dos animais

    A solidão agora é sólida, uma pedra ao sol
    As linhas do destino nas mãos a mão apagou
    Ele já tem a alma saturada de poesia, soul e rock'n'roll
    As coisas migram e ele serve de farol

    A carne, a arte arde, a tarde cai
    No abismo das esquinas
    A brisa leve traz o olor fulgaz
    Do sexo das meninas

    Luz fria, seus cabelos têm tristeza de néon
    Belezas, dores e alegrias passam sem um som
    Eu vejo o homem velho rindo numa curva do caminho de Hebron
    E ao seu olhar tudo que é cor muda de tom

    Os filhos, filmes, ditos, livros como um vendaval
    Espalham-no além da ilusão do seu ser pessoal
    Mas ele dói e brilha único, indivíduo, maravilha sem igual
    Já tem coragem de saber que é imortal
    "J"

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  2. Seu poema, Marreta, é incrivelmente bonito. Seu comentário, "J", é incrivelmente bonito também. Só hoje li os dois e fiquei babando. Parabéns! Ou, como gostam de dizer, "do caralho!"

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