O Homem Olha a Chuva

O homem olha a chuva.
De seu aquário seco,
De sua ilha cercada de vácuo por todos os lados,
O homem olha a chuva.

O homem olha a chuva.
Com olhos de confusão e de embaraço
De quem reconhece de pronto a um velho amigo
E esse nem faz ideia de quem ele seja,
O homem olha a chuva.
Com a prostação e a paraplegia
De um abraço que não encontra outros braços,
O homem olha a chuva.
Com as retinas saudosas de quem,
A procurar
Por meias, cuecas,
Comprovantes de votação
Ou simplesmente
A pôr novas naftalinas nas gavetas
A proteger o passado do apetite desrespeitoso das traças,
Dá de cara com foto de amante antiga,
O homem olha a chuva.

O homem olha a chuva.
À qual já serviu de superfície,
A qual já usou por cobertor e samovar.

A chuva olha o homem
Estranha não vê-lo metido e a nadar em seu útero,
Mas precipitada
Tempestuosa que é
Esquia
Enxurrada
Meio-fio abaixo
A ninar barquinhos de papel.
Esquece do homem,
Mantém-se chuva.

O homem olha a chuva.
Fere-lhe não ser mais girino
Em sua bolsa amniótica,
Mas contido, prudente
Covarde que é,
Conforma-se
Convence-se
Deserta do convés
Põe fogo em seus galeões de papel.
Abstém-se da chuva,
Desfaz-se como homem.

Postar um comentário

2 Comentários