Professores à Beira de um Ataque de Nervos

Para quem mantém um blog com postagens quase que diárias - e o Marreta caminha para cinco anos de existência -, muito mais importantes e motivadores que os números de acessos recebidos no dia, são os comentários. São eles - concordantes, discordantes, críticos ou elogiosos - que mostram que alguém realmente leu o que escrevemos. Leu, e mais importante, se deu ao trabalho de perder um tempo maior para escrever sobre.
A maioria são comentários curtos, truncados, mal escritos, bem ao triste estilo reinante na internet. Porém, raras vezes, muito de vez em quando, sou brindado com comentários muito bem escritos, com forma e conteúdo, comentários de quem realmente gosta de ler e, por conseguinte, sabe escrever.
Ontem, recebi um desses comentários. De uma pessoa que se assina S. Rodrigues, professora de Geografia formada pela Unesp, muito bem formada, portanto. Ela estava procurando na net informações sobre um padre da cidade dela e caiu aqui no Marreta. Começou a ler e se identificou com alguns textos meus, relativos ao que, hipocritamente, se convencionou chamar hoje de Educação.
Exerci outras profissões antes da minha atual, a de professor. Profissões, teoricamente, mais cansativas, mais desgastantes, mais "braçais", menos recompensadoras. Teoricamente. Muito teoricamente. Digo que hoje, ao menos no Brasil, não há profissão mais degradante que a de professor. 
Já fui digitador, caixa de clube (trabalhava aos fins de semana, feriados, madrugadas), operador de máquina de xerox, gráfico bissexto. Mas, de qualquer forma, eram profissões. Bem definidas. Com funções, atribuições e metas claras. E tudo o que desse certo, ou errado, era de única e exclusiva responsabilidade minha, meu trabalho não dependia de nenhuma ajuda ou de complementação de outrem, e, muito menos, o erro ou a falha de outro eram atribuídos a mim : tudo dependia só de minha competência, ou da falta dela. E mais, o trabalho feito hoje, estava lá amanhã, do jeitinho que eu tinha deixado, pronto para ser continuado. Se eu tivesse, por exemplo, cinco mil cópias para rodar em offset e rodasse no dia, sei lá, três mil, quinhentas e cinquenta e seis, no dia seguinte, eu tinha certeza de que continuaria a partir da cópia de número três mil, quinhentos e cinquenta e sete. Por mais cansativas e  mal remuneradas que fossem, e elas o eram, eram profissões reais.
A de professor, não. Não há parâmetros bem definidos do que seja ser professor, atualmente; das reais obrigações do docente e, principlamente, de suas "desobrigações". E essa indefinição é, obviamente, proposital, muito bem engendrada polticamente. Assim, fica facílimo jogar de forma integral a culpa no professor pelo fracasso da educação. O professor nada pode, e de tudo leva a culpa.
O professor nada pode : não pode mais impor disciplina em sala de aula, não pode mais avaliar corretamente, não pode cobrar do aluno que ele chegue na hora, que ele entregue tarefas no dia estipulado (na verdade, nem que ele entregue as tarefas), não pode nem dar o conteúdo mínimo de sua disciplina, sob pena de ser advertido por seus superiores. 
De tudo, ele é culpado : nenhuma responsabilidade é creditada à estrutura falha, mal-intencionada, viciada  e corrompida do sistema, das leis que o regem e ao magistério, nenhuma ao Estatuto da Criança e do Adolescente, essa cartilha de criar marginais, nem ao desinteresse do aluno, nem ao descaso da família, que, no mais das vezes, não está minimamente interessada no real aprendizado do filho, só que ele esteja sendo bem cuidado - professores viraram babás para filhos de pais ausentes -, bem alimentado, bem guardado, enfim, na creche. Tudo é jogado para cima do professor.
Em resumo : não existe mais a profissão de professor. É uma profissão-fantasma. Feito aquelas almas penadas que ainda não sabem que seus corpos já foram sepultados e comidos há muito pelos vermes, e ficam vagando por aí, crendo-se ainda vivas. Ficam penando, arrastando suas correntes, bramindo seus gemidos e ulos lamuriosos.
Professores, hoje, são atores. Atores daquelas antigas chanchadas brasileiras, de dramalhões mexicanos. Somos atores a encenar uma antiga profissão. Encenar, só isso. Acontece que a maioria não se deu conta desse fato, acha mesmo que ainda é professor. É o ator que não consegue se desapegar da personagem, que troca de personalidade com ela, a realidade pela ficção. A loucura, é o próximo passo, o próximo estágio.
Aqueles que conseguem enxergar que são apenas atores representando um papel, que tudo é encenação e fingimento - e hoje tudo é fingimento na Educação - ainda são capazes de conduzir a situação de maneira mais leve para suas vidas, conseguem sair da escola e seguir "limpos" para os seus lares, cuidar e usufruir da família e amigos.
Os que não percebem que são meros atores, ou, pior ainda, os que não admitem que são tão somente bobos da corte a entreter o rei, têm vida curta, ou, pelo menos, curtas serão suas vidas de uma forma saudável. Suas salubridades mentais, sobremaneira. No funcionalismo público - são dados do Hospital do Servidor Público de SP - quase 70% das licenças médicas e afastamentos por depressão são concedidos a professores.
O comentário-depoimento-desabafo de S. Rodrigues, que reproduzirei abaixo, com a devida autorização da mesma, não é um caso isolado de alguém que não se encontrou em sua profissão. Pelo contrário, é um caso de alguém que se encontrou em uma profissão, que se preparou muito bem para desempenhá-la, mas, quando foi exercê-la, constatou que ela não existia mais. E longe de ser um caso isolado, é situação cada vez mais comum, cada vez mais recorrente no ambiente docente.
A seguir, o comentário de S. Rodrigues. Mais uma vez, obrigado por permitir que eu o transformasse em uma postagem.
"Olá Azarão.
Estava pesquisando sobre um "causo" acontecido aqui na minha cidade (o do padre Gentil Zacheta) e encontrei seu blog.
Vai pra mais de duas horas que estou me divertindo por aqui. Por que é quase tão raro como um fumante não gostar de café encontrar anti-lulistas nessa baderna que chamam de Brasil. (duas coisas: uma é que tenho problemas sérios com uso de porquês,então provavelmente vou escrevê-los todos fora de propósito e a outra é que acho que o PT é um monstro excretado todinho da mente daquele lá, falou anti-PT falou anti-Lula).
Retomando, por seu ateísmo irreverente: poucas coisas há tão contraditórias quanto ateus dogmáticos que querem "levar a palavra" a todos nem que seja na base da doutrinação e por isso são tão chatos. Há um outro tipo de ateu, aquele que quer ser gentil e compreensivo com o que acham ser ignorância do crente. Esse além de chato é iludido. A última e mais importante razão é que ler, na minha abalizada (por mim mesma) opinião deve ser uma coisa que dê prazer. O que me leva à explicação de por que decidi comentar esse post específico. Lá pelas tantas da vida resolvi "melhorar de vida" e fui tentar um vestibular de Geografia na Unesp daqui.Tendo em vista minha formação anterior mais que capenga, inclusive fiz supletivo da 8ª série e dos três anos do antigo colegial, foi um espanto pra mim quando passei direto. Oras, espanto maior foi perceber, naquele antro de emburrecimento marxista, comunista ou socialista, sei lá qual a terminação "ista" que agrada mais ao povo, que o motivo de passar no vestibular foram todos os anos de diversão desenfreada, lendo tudo que me agradava, apenas. O curso foi um tormento, uma tortura. Leituras obrigatórias tão chatas que me fizeram pensar que estava doente ou fora abduzida sem dar por isso e trocada por outra que parecia comigo mas não era eu. Dormir a cada vez que começava a ler era inédito na minha vida. Enfim. A única coisa exequível no meu caso era dar aulas, já que tenho um estômago muito delicado o qual não dava conta nem de fazer de conta que engolia as patranhas ideológicas necessárias para conseguir um orientador, tentar um bacharelado e os afins daí em diante, que se resumiriam a investir numa carreira de "pesquisadora" dos cnpqs da vida repetindo os chavões "istas" em longos textos destinados a provocar sonolência nos mais sãos e idiotia no resto. Bom! Ou mais exato: péssimo.Esse negócio aí que você fala, de acabar no psiquiatra, é sério. Foi o que me aconteceu. Sou uma pessoa do tipo mãos à obra. Há algo a ser feito, vamos e façamos, da maneira a mais eficiente possível. Ao mérito, as honras, à preguiça e à indolência um até nunca.
Esse jeito de ser é incompatível com as escolas atuais, com a "pedagogia dos oprimidos", com o coitadismo reinante. Pegar alunos numa sétima série que sequer sabem escrever o próprio nome corretamente, que não sabem ler e ter que promovê-los para a série seguinte; ter que ser compreensiva com meninas de onze anos berrando palavrões de estivador em sala, atirando cadeiras nos desafetos e mandando a professora fazer uso de certas partes da anatomia não muito usuais (sou um tantinho conservadora em algumas coisas).
Ser obrigada a presenciar o total desperdício de recursos, de infra-estrutura, de vidas ainda no início por que se falar algo contra essa situação insana a errada é você. A angústia foi tamanha que passei 8 meses tomando antidepressivo e outros medicamentos que me deixavam mais mole que boneco de vento, até decidir que entre o hospício e voltar a ser faxineira, preferia a sanidade. Há muito mais honestidade, salubridade e trabalho real numa casa bem organizada e limpa do que na rede de ensino. Admiro quem consegue continuar, mas pra mim não deu."

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2 Comentários

  1. A Escola é uma indústria.
    Professor é o peão da educação.
    Coordenador de curso é o capataz.

    O cliente é a sociedade, tudo bem, mas o indicador da qualidade é a felicidade do aluno.

    O papel do peão é deixar os alunos felizes.
    - Não pode haver reclamação - diz o capataz.

    Fácil:
    Se o produto indicar infelicidade, o culpado é o peão.
    O capataz vai ter que substituí-lo.

    Conhecimento, competência na área de conhecimento, tudo são aspectos secundários na busca da felicidade.

    Bem vindo ao ensino superior privado do Brasil.

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  2. - Talvez eu tenha me equivocado sobre a “oxigenação”. E por três motivos: nunca encarei uma sala de aula, sempre preferi em uma festa conversar com adolescentes (talvez pelo ambiente familiar que frequentava, onde o papo encharcado de bebida que rolava nunca me atraia, pois era sempre sobre futebol, carros, pescarias e coisas assim. Nada de cultura, nada sobre música que não fosse sertaneja, etc.). E jovens têm (?) mente mais aberta que a de seus pais, gente da minha idade.
    - Conheço uma faxineira que se formou em pedagogia mas continuou a faxinar. Segundo ela, ganha mais na faxina e nem conseguiu arranjar emprego como pedagoga (ainda bem, pois sendo de origem muito humilde, fala errado pra caramba).
    - Minha sugestão é que converse com seu ex-aluno GRF sobre “burnout”. Talvez você esteja com isso.

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