Whisky On The Sinatras

Whisky,
Do mais barato,
Daqueles corados a iodo :
Uma ressaca braba,
Daquelas de beijar de língua a boca da privada,
É a menor das consequências hoje.

Ponho-me a beber,
A engolir, a bem da verdade.
Hoje não será prazer, o whisky,
Será função.
Por acompanhamento, Adoniran
(Vila Esperança, foi lá que eu passei...);
Não desce bem, saudosa maloca com whisky.
Convoco Sinatra do meu baú pirata de CDs
(And more, much more than this, I did it my way)
E eles copulam harmoniosamente, o whisky e Sinatra :
Whisky on the Sinatras.
Sobra lá um fundinho na garrafa,
100 ml se tanto,
A ser usado na assepsia do que virá a seguir.

Minha cara está no espelho,
Adoro-a assim, magra, encovada, macilenta,
Comigo há uns bons pares de décadas.
Respiro fundo,
Fecho os olhos a me despedir dela
(Retenho-a na memória).
Devo infligir-me uma deformidade,
Pôr-me uma repugnância ao rosto
Para os tempos que hão de vir.

Pego da navalha,
Que nem navalha é, 
Não das clássicas,
Não daquelas da Ópera do Chico,
Navalhete, disse-me a moça vendedora,
Só encaixar uma Gillette nela e pronto,
Instruiu-me a moça.
Navalha na mão,
Percebo que o whisky não me deu coragem,
Tirou-me o medo.
Não é a mesma coisa.
Queria, ao menos uma vez na vida,
Sentir-me corajoso, não inconsequente.
Paciência, há de servir.

O aço abre segunda boca em minha face direita,
Tão sequiosa quanto a outra,
Dou-lhe de beber, 
Desinfeto-a com o resto do whisky,
Puro, 
Sinatra já acabou no tocador de CD.
Dor,
Dor além da pressuposta,
Minhas previsões têm a precisão das de um metereologista.
Desmaiarei, agora é iminente.
Entrarei, talvez, em pequeno choque.
Não morrerei, sei disso,
A Senhora Morte não se deixa levar para cama tão fácil assim.
Acordarei,
Coagulado.
Renascerei,
Cicatrizado :
Eu, uma mera cicatriz.

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