Pequeno Conto Noturno (22)

- Você é linda - diz Rubens, com o pau a amolecer e copo na mão, com mais água de gelo que rum.
- Não sou, não. Não precisa se esforçar em delicadezas verbais, é agrado suficiente estar junto a ti - Núbia, tomando o copo de Rubens, secando-o e fazendo sinal de quem quer mais.
- É linda, sim - Rubens, servindo novo e brônzeo rum ao copo.
- Se não me conhecessesses, se me visses de relance pelas ruas, pelos teus caminhos rotineiros, acharias-me linda?
- Não. É certo que não. Mas quando ou quantas vezes já lhe encontrei pelas ruas, pelos supermercados, pelos postos de gasolina, no dia-a-dia, no mundo que as pessoas insistem em chamar de real? - E Rubens lambe, resgata o rum a escorrer pelo canto da boca de Núbia.
- Nenhuma vez, é verdade.
- É no mundo das ideias que sempre lhe encontro, na batcaverna de Platão, aqui no meu apartamento, que é a materialização fátua disso tudo. E aqui, certamente é linda.
- Juras? - E um novo gole de rum faz a garganta de Núbia movimentar-se como só se movimenta quando ela chupa um pau.
- Sabe que não juro.
- Só terias a ganhar se.
- O que que já não tenho?
- Uma trepada helênica, arcádica, uma cavalgada de uma centaura.
- Centauras nunca sequer existiram.
- E o que te leva a crer que centauros sim?
- Uma cavalgada de centaura?
-Isso. Metade mulher, metade égua barranqueira. Com tropel, cheiro acre de estábulo, direito a esporear minhas ancas e a açoitar-me com minha própria crina.
- Só por jurar que é linda?
- E então, juras?
- Até por deus, se quiser.

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