Hoje  e amanhã (17 e 18/11), será aplicado, em todas as escolas públicas  estaduais de SP, o exame do SARESP - Sistema de Avaliação do Rendimento  Escolar de São Paulo.
O  objetivo do exame é gerar um número, um índice que represente a  qualidade do ensino em SP. O estado de SP não é diferente do resto do  país nesse quesito, suspeito eu que seja até um dos piores da nação,  depois da instauração da Progressão Continuada. Esse indicador de  qualidade dado pelo Saresp não será utilizado, como afirmam seus  idealizadores, na detecção de falhas no processo e nem na proposição de  alternativas para saná-las. Óbvio que não! Nada, no Brasil, é feito em  prol do Público. Além do mais, todos os setores governamentais  envolvidos com o ensino sabem muito bem os principais pontos fracos e  sabem melhor ainda como fazer para melhorá-los; a questão é que não  querem, a má qualidade é proposital, mais, é engendrada.
Os  números do Saresp se converterão em dados, em estatísticas para a  apreciação de órgãos internacionais, e o governo conseguir suas verbas e  polpudos empréstimos, se os números forem favoráveis. Então, serão  favoráveis. De qualquer maneira e a todo custo, serão favoráveis.
É  fácil gerar resultados favoráveis mesmo quando o nível do ensino está  na vala sanitária, bastar ir baixando sistematicamente o grau de  exigência da avaliação, elaborar uma prova que até o Tiririca faria, e  seria aprovado. 
Mas  isso é só o começo. Por mais fácil que seja uma prova, é necessário o  aluno fazê-la, e nada o obriga a tal, ele pode muito bem se valer dos  25% de ausências que tem assegurado por lei e dormir até mais tarde no  dia do Saresp, sem nenhum ônus ou consequência.
Faz-se  urgente, então, que o governo pressione as direções de escola e os  professores a pressionarem os alunos, para que esses adiram ao Saresp.  Obrigar funcionário público a algo, não é tarefa das mais gratas, são  concursados, estáveis, praticamente irremovíveis de seus cargos e, em  geral, ao menos na fala, são contrários e desgostosos com o governo, que  tão mal lhes remunera. Aí é que começa uma pequena cadeia alimentar de  subornos, e essa é a vantagem de mal pagar seus funcionários.
Das  volumosas verbas e empréstimos angariados, o governo retira uma  micromigalha e a transforma no famigerado BÔNUS. O bônus é uma espécie  de 14º salário para as escolas públicas e foi criado em 2000 ou 2001,  podendo atingir o valor de alguns salários do indivíduo. O recebimento  de um bom suborno, uma boa esmola, um bom bônus, está atrelado a um  sem-número de fatores, o principal : total adesão e bom rendimento no  Saresp.
Pronto.  Com uma merda de uma migalha, o governo desarma toda e qualquer  oposição ideológica que algum professor ainda pudesse fazer ao Saresp, e  à aprovação automática, claro. E é dada a largada para a corrida ao  ouro, à adesão do aluno, no caso. E vale tudo, o jogo é bem baixo,  começa pela chantagem emocional. É dito ao aluno que uma baixa adesão  irá lesar a escola, que o nome da escola onde ele passou tão bons  momentos, que tão bem cuidou dele (sic), vai ficar manchado, que se ele  tem irmãos em séries inferiores, esses não poderão usufruir de uma  escola tão boa quanto a que ele teve (sic) etc etc. Se um número  considerável de alunos ainda resiste, vem o golpe de misericórdia, a  cadeia alimentar da propina é estendida ao estudante : os professores  dão uns tantos pontos na média final para os alunos que simplesmente  fizerem o Saresp, independente de seu desempenho. Resultado : sala cheia  no dia do Saresp. Todos felizes e satisfeitos, com seus pequenos  favorecimentos. O negócio é levar vantagem em tudo, certo, Gérson?
No  claro e bom português, o governo fala para o professor e o professor  fala para o aluno : me ajeita que eu te ajeito. Essa é a tão propalada  escola cidadã? Cidadã e democrática? Ensinar suborno e negociata é o  conceito que eles têm de formar bons cidadãos? 
E  o pior é que praticamente todos os docentes abraçam efusivamente a  causa do bônus, ops, do Saresp, até servindo de aplicadores de prova. Na  minha escola, apenas eu e um outro docente somos abertamente contra o  Saresp, e mais outros dois se dizem neutros. Isso num total de 80  professores efetivos, mal bate nos 5%; e garanto que esse triste  percentual não é maior em outras escolas, se não for menor.
Lastimável.  Deplorável e vergonhoso essas pessoas se dizerem professores e  formadores de opinião - ou educadores, como preferem ser chamados  atualmente. Essa falta de senso crítico, esse descaramento, estende-se  aos docentes de todas as disciplinas escolares, inclusive, e  desgraçadamente, àqueles que, por força do currículo, discursam  enfadonhamente ao aluno, o ano todo, sobre ética e moral.
Bom  bônus para todos vocês, colaboradores "desinteressados" do Saresp, que  suas ceias natalinas sejam gordas e não lhes deem indigestão. Sei que  não terão. Indigestão não é questão de estômago, é de consciência. Vocês  estão liberados, podem se entupir à vontade.
De um peru bem grosso e cabeçudo, de preferência.
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