-  A senhora está anêmica, anemia profunda - anunciou o Dr. Bustamante à  Dona Emília -, comer muito ferro, feijão, carne vermelha.
O  feijão, Dona Emília tinha como, sempre vinha um bom saco em sua cesta  básica. A carne era a questão, o quilo pela hora da morte.
-  Compra brócolis, couve, almeirão, verdura verde-escura, é mais  baratinho e também tem ferro - recomendou-lhe Dona  Espéria-vizinha-de-muro-de-Emília.
Dona  Emília pinçou as derradeiras moedinhas de seu porta-níqueis - a  aposentadoria só para a semana seguinte - e comprou um bom pé de  brócolis, brócolis japonês.
Quase  a pô-lo na fervura, Dona Emília notou um semblante familiar desenhado  nas superfícies fractais do brócolis. O rosto da Virgem Maria, tal e  qual aqueles adesivos de carros.
Correu  afogueada à paróquia do Padre Bento-bolinador-de-fundilhos-de-beata,  que prontamente atestou o milagre, categórico, mais precisada que estava  sua igreja de um milagre que propriamente os fiéis.
A  notícia correu. Foram confeccionados, e vendidos, chaveiros, camisetas,  adesivos, pequenas réplicas em resina e até escapulários do milagroso  vegetal. Padre Bento-chupador-de-tetas-de-devota encheu as burras. Veio  até a reportagem do canal de TV local, a  repórter-bonitinha-peituda-semianalfabeta a fazer perguntas cretinas.
O  brócolis foi posto em redoma especial, climatizada, antifungo e  antibactéria, para exposição em missa extraordinária, todos poderiam  passar em procissão, tocar e beijar o vidro. 
Houve  a presença do Monsenhor e do Arcebispo , que junto ao Padre  Bento-dedilhador-de-grelo-de-carola compuseram a tríade clerical no  púlpito, três nababos pançudos e corados.
À  periferia deles, à esquerda do altar-mor, Dona Emilia, esquálida e  descorada, a homenageada do evento, impregnada do pecado capital do  Orgulho. De barriga vazia, sem o brócolis. Ainda mais anêmica. Pernas  vergando de fraqueza, ameaçando ruir a qualquer momento.
E com um sorriso resplandecente. E parvo. E cheio de fé.
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