A Democracia E O Bonde Do Capeta

O texto abaixo pode conter erros relacionados a certos fatos históricos (ao menos à versão oficial deles) ou, no mínimo, pequenas distorções desses fatos. Distorções feitas para corroborar minha opinião sobre o dito.
Esse não é um blog de opiniões, é um blog de opinião: a minha.
Ei-lo:
1984: fim da ditadura, advento da democracia, no Brasil.
Outra mudança artificial de regime de governo do país. Artificial, sim. Nunca houve, nesse país, uma mudança de regime por insatisfação popular, por pressão legítima das massas.
(E, por favor, não me venham dizer do movimento registrado como “Diretas Já”, basicamente uma pseudoelitizinha de pseudointelectuais composta por meia dúzia de cantores de violões capengas e fanhosas vozes e outra meia dúzia de artistas peitudas a berrar do alto de um palanque embandeirado. Pobre do país que tem cantores e atrizes como defensores)
As mudanças de regime, no Brasil, sempre se deram através de acordos escusos, sempre foram decididas nos bastidores, com a chancela das elites, sempre o comando sendo passado em revezamento de uma elite a outra; monarquistas, inconfidentes, escravocratas, abolicionistas, republicanos, ditadores, democratas, neoliberais, todos se encontram pra beber juntos quando não há uma câmera de TV por perto.
Todas as transições de regime foram praticadas na base da “canetada”. O Brasil é, entre outras desgraças, o país da canetada, do acordo, do deixa-disso.
O povão mesmo – aquele da boca banguela, da cachaça e do pagode, da fila dos postos de saúde, da sopa e da previdência social -, esse nunca se revoltou contra nada, nunca se rebelou, nunca sequer cogitou pegar em armas, nunca mudou ou pressionou para que se mudasse regime algum, até porque nunca entendeu sob que tipo de regime vive ou viveu. O povão, a grossa massa nunca legitimou porra nenhuma nesse país.
É óbvio que não!
Para haver revolta é preciso haver conscientização da situação lastimável em que vivem, para a conscientização é necessário se educar e, consequentemente, estudar. Só passar fome não resolve, só passar fome não faz ninguém se rebelar, a gente se acostuma a tudo, até à fome. É preciso ser educado (não confundir educado com cortês, cordial, cordeiro) para se rebelar.
Mas aí é que a coisa emperra e sempre emperrou. Educar-se é trabalhoso em demasia para a indolência inata ao brasileiro.
Se o povo não estuda, não se educa; se não se educa não se apercebe da necessidade da mudança; se não luta pela mudança, se não sofre por ela, não é capaz de entendê-la quando ela ocorre.
Essa, eu acho, é, e sempre foi, a grande sacada das elites brasileiras (aliás, sinceras palmas para elas): “dão”, na base da canetada, as mudanças ao povão antes que esse sinta a real necessidade delas. Assim, o povo, sem ser capaz de compreendê-las, fica feliz em saber que alguém mudou as coisas por ele, fica feliz em saber que tudo mudou, que as coisas agora vão melhorar. E tudo continua sempre igual.
Foi assim com a Independência (alguém conhece outro caso no mundo onde o próprio conquistador tenha feito a libertação da colônia?), com a abolição da escravidão (uma branca fez a abolição; e alguém acha mesmo que a bichona do Zumbi fez alguma diferença? Ele queria era um lugar sossegado para montar seu bloco afro, seu olodum), com a Proclamação da República (descendentes de D. Pedro moram confortavelmente em Petrópolis e recebem “salário” por seu pedegree), com o Estado Novo, com o fim do Estado Novo, com as “forças ocultas”, com a ditadura militar (não à toa, o “golpe” se deu em 1º de abril), com o fim da ditadura, o início da democracia.
A democracia, mais uma vez, foi dada de presente, caritosamente, ao povo brasileiro, na figura simpática do velhinho Tancredo, já perto de “bater as botas”, a democracia começou como uma puta que casa com um velho contando com a morte rápida dele.
E o povo, como mais uma vez não lutou por ela, nem sabia se a queria, de novo não entendeu a mudança. Simplificaram para o povo: antes você não podia nada, agora liberou geral, você pode tudo. Então o povo entendeu e riu se riso de hiena.
Houve a transição de um extremo ao outro sem que houvesse uma preparação para tal. Os limites foram derrubados do dia para a noite ou, melhor, da noite para o dia, que é a hora em que tudo acontece por aqui, nas caladas.
E democracia pode até ser muito bom lá pro Suíço, pro Dinamarquês, pro Norueguês, pra povo educado. Para bestas-feras, democracia dá em baderna.
Ainda não suficiente, em 1988, na figura de outro velhinho, veio a malfadada Constituinte, dando cria a uma Constituição permissiva, cheia de brechas legais, dizem que escorada na Declaração dos Direitos Humanos (e como errar é humano, é uma constituição que protege sempre o errado), uma constituição que torna efetivamente impossível alguém ser honesto sem se sentir um otário.
Não bastasse, vieram depois os suprapermissivos estatutos especiais. Ora, porra, se é uma constituição igualitária, não há necessidade de estatutos especiais. Mas eles vieram: do índio, do idoso, do negro, logo, logo, o do viado e, o pior deles, o Estatuto da Criança e Adolescente, a desgraça do ECA, elaborado por sociólogos, assistentes sociais, pedagogos, psicológos, educadores, acho que até a CNBB deu seus palpites.
Esse tal ECA (olha aí o país da piada pronta) tornou cada adolescente simplesmente INIMPUTÁVEL, blindado à ação da lei. De um pretenso escudo, o ECA tornou-se em arma atômica na mão do adolescente. Mas o adolescente também tem deveres..., dizem os defensores do ECA, os “pais” do ECA, defendendo seu estatuto como esse defende o mau adolescente; o ECA é bom, continuam eles, o que ocorre é que muitas vezes é que ele é mal interpretado pelos juristas. De novo, defendendo o estatuto do qual foram os geradores, como a mãe que defende o seu “santinho” que, por exemplo, pôs fogo na cortina da escola, dizendo que a culpa foi da cortina por estar ali.
Pois bem, defensores dos direitos humanos, sociólogos, CNBB, pedagogos, psicólogos, assistentes sociais e que tais, aí está o Bonde do Capeta.
O Bonde do Capeta é a mais perfeita tradução do ECA, é a melhor interpretação do ECA que jamais um jurista poderia dar.
Meus sinceros parabéns! Vocês finalmente conseguiram o que vieram preparando nessas duas últimas décadas, vossa cria veio à luz, doutores Franksteins.
Mais: o Bonde do Capeta tem legitimidade. Seus integrantes se sentem incomodados, sentem a necessidade de mudar o que lhes incomoda, vão lá e mudam. E dentro da lei, caríssimos! Dentro da mais absoluta conformidade do ECA e de seus idealizadores já listados acima.
O Brasil é, entre outras desgraças, o país onde as leis “pegam” ou “não pegam”. O ECA pegou.
E eu, como cidadão cumpridor das leis, só tenho a festejar o Bonde do Capeta. Até porque não sou loiro, estou longe de ser bonito, não ando nem nunca andei com roupinhas da moda e tampouco sou ou fui estudioso, CDF.
O Bonde do Capeta é só o começo, discíspulos de Piagets, Skinners, Freires e outros blá-blá-blás. Que o Bonde caia sobre vossas cabeças e que não lhes seja leve. Se eu fosse adolescente hoje e pudesse arrancar escalpos impunemente, certamente eu o faria; teria muitos escalpos para arrancar, uma lista deles. A começar pelos dos senhores.
Vivas ao ECA.
Longa vida ao Bonde do Capeta.

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