Carros Voadores, Calendários Maias e Outros Futuros Que não Se Cumpriram

Eu também, quando moleque, como acho que todos os de minha geração, acreditava que os anos 2000 nos chegariam a bordo de carros voadores, que habitaríamos cidades suspensas da Babilônia.
Lembro-me de uma caixa de sucrilhos cujo verso trazia uma representação desse futuro promissor, carros e cidades flutuantes contra o céu azul-alaranjado de um entardecer. Recortei esse desenho e o guardei comigo por muito tempo. Volta e meia, eu ficava a contemplá-lo e a me imaginar no ano 2000. Eu teria, então, 33 anos. Uma marca que parecia inatingível para mim, com 9, 10 anos na época.
Cheguei a usar essa ilustração para fazer uma composição na escola, na aula de português. Ganhei nota máxima. Tanto pela "minha" ideia quanto pela ausência total de erros de ortografia na composição. Para quem é novinho e não sabe, composição é o que passou a ser chamado de redação e, hoje, até mesmo de produção textual. Como se cada aluno de hoje em dia fosse um pequeno literato em desenvolvimento e não semianalfabetos de pai e mãe.
Inacreditavelmente, os anos 2000 chegaram. Mais inacreditavelmente ainda, os meus 33 anos chegaram. A  promessa de carros voadores não se cumprira. E ainda que tivesse, provavelmente os fusquinhas antigravitacionais não mais me apeteceriam, pois há tempos, já naquele tempo, eu perdera todo e qualquer interesse por veículos automotivos.
Nos anos 2000, diferente do que eu acreditei em criança, nós não mudamos de Bedrock - a cidade dos Flintstones - para Orbit City - a morada dos Jetsons.
Aquela ilustração do futuro na caixa de sucrilhos ficara no passado. Passara a ocupar um lugar na estante empoeirada dos sonhos que tinham sido bons de se sonhar.
Ao invés de um porvir utópico, os anos 2000, pelo contrário, vieram carregados de maus auspícios, de previsões de fim de mundo. Havia um calendário maia que, muito mais do que prever, assegurava o fim do mundo para o ano de 2012.
Tomei ciência, contato e até me aprofundei superficialmente no tal calendário maia através de um professor com quem tive o privilégio de trabalhar, o grande mestre Odair. Químico, ufólogo, arqueólogo, alquimista, pajé, PhD em teoria da conspiração, violeiro dos bons e entornador de cerveja, Odair é das pouquíssimas pessoas que conheci a quem se pode, de fato, ser dado o título de livre-pensador.
Às vésperas de 2012, Odair sempre chegava cedo na escola com a notícia de uma catástrofe mundial recém-acontecida. Um terremoto, um tsunami, um furacão, um incêndio de vastas proporções, a eleição de Dilma Rousseff. E todos eram indicativos, segundo ele, de que logo, logo o fim do mundo se daria pelas mãos de uma Natureza raivosa, desgostosa da vida com o ser humano.
Veio o ano de 2012 e nada mudou. Tudo continuou como sempre esteve. Então, é claro, foi a vez dos escarnecedores. Todos os que haviam passado anos a escutar as falas apocalípticas do Odair, chegavam pra ele e diziam : e aí, Odair, o mundo não ia acabar?
A todos, depois de um golinho no seu café e de dar a pitada final no seu Derby azul, sem perder a calma nem a fleuma, Odair respondia : e você tem certeza mesmo de que não acabou?
As memórias dos sonhos com carros voadores e da possibilidade do mundo ter mesmo se acabado e a gente não ter percebido foram trazidas à tona por um comentário que recebi na postagem A Vantagem de ser Bandido no Brasil (2).
Um comentário, segundo a classificação do blogger, feito por um anônimo. Um "anônimo", para mim, com uma assinatura inconfundível de estilo, vocabulário e construção de imagens.
Bom saber que você ainda passa por aqui vez ou outra, e melhor ainda quando deixa seus rastros, suas leves pegadas, pequenos fósseis de você.
Eis o comentário :
"Um dia ousamos olhar o futuro e sonhar com carros voadores, seres extraterrestres, viagens de desmaterialização pela força do pensamento, casas elegantes onde tudo reluz e com robôs para mantê-las sempre limpinhas.
Então veio o futuro, olhamos uns para os outros sem a menor compreensão dos dialetos. Cada um sendo peça importante de torre de babel. Sentamos lado a lado e choramos.
Quando vão inventar a máquina do tempo? Precisamos avisar aos outros que, de fato, o mundo termina nos anos 2000".

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2 Comentários

  1. Em BH há um apresentador do jornal local da Record, que passa à sete hora, por aí. Destoa da chatice de 99% dos jornalistas da emissora, pois é mais velho, bem humorado e irônico. Às vezes, quando o absurdo noticiado é maior que o normal, vira-se para a câmera e diz "eu não aguento!" ou a frase que eu mais gostava de ouvir: "minha mãe falava que este mundo já acabou e ninguém percebeu". Hoje não assisto mais jornais da Record

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  2. Odair deve ter sido uma ótima companhia e este Anon (Anônimo), um ser realmente pensante!
    Para mim, algo se cumpriu. Falavam tanto em fim dos tempos e, hoje, vivemos num mundo apocalíptico onde político ladrão processa membro do Ministério Público e ganha; e vai até concorrer às eleições para a Presidência da República. Homens musculosos e com dois metros de altura competem contra mulheres em esportes variados e ela/ela são substituídos por "elu". Fim dos tempos!

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