O Pancadão dos Velhinhos (Ou : os 300 do Asilo)

Conforme o esperado, proibir os foliões de Pindorama de pularem o carnaval fez pulular a quantidade de festas clandestinas por todo o País do Carnaval. Festas cujo o breve reinado de Momo só veio a servir de pretexto para a manada se congregar, pois, de fato, em nada guardam a essência dos velhos carnavais. São raves, bailes funks, pancadões e outras aberrações e excrescências.
Deliberada e inconsequentemente, por todo o território nacional, hordas e mais hordas de jovens, em rebeldia e desobediência civil, lançaram-se a festas que foram verdadeiros rituais suicidas de contaminação pela Peste Chinesa.
Jovens? Só se tiver sido por aí, na cidade em que você reside, caro leitor. Só se tiver sido por aí. Por aqui, na eternamente mal-educada e insalubre Ribeirão Preto (SP), rebeldia juvenil é coisa do passado. É, literalmente, coisa de velho. Por aqui, a vibe deste carnaval, o que bombou mesmo, foi o Pancadão dos Velhinhos!
No sábado de carnaval (13/02), uma denúncia de um filho da puta anônimo, levou a polícia a desbaratar uma festa com mais de 300 pessoas, promovida por uma casa de eventos localizada no Centro Velho da cidade, à rua Álvares Cabral, nº 50.
A denúncia, mais uma de várias, foi feita ao 190 e a polícia já foi preparada para descer o sarrafo na moçada (policiais ganham pouco, mas se divertem). Qual não foi a surpresa dos meganhas ao verem que era um bailão bate-coxa e mela-cueca destinado a idosos. Os famosos "bailes do desmanche".
E por pouco a polícia não pegava ninguém no local, pois o baile da velha guarda (e do velho que não mais "guarda") tinha término previsto para as 22 horas. Que Bailão do Desmanche é assim, começa ao anoitecer, ao lusco-fusco, às 21 horas é servida a canja, que é para não abusar do Corega, e às 22 todo mundo vai pra casa, vestir o pijama com bolso e as pantufas. Sei porque trabalhei com uma professora que era assídua e entusiasta frequentadora dessas matinês da terceira idade. Inclusive, corria à boca pequena que ela era conhecida como a Pantera do Palestra (tradicional e decadente clube aqui da cidade).
Ao jovem, o atenuante concedido à sua inconsequência é a sua própria condição de jovem, a sua juventude, que, dizem, não lhe permite ter a clara - ou mesmo nenhuma - percepção de sua mortalidade. Um jovem de 20 anos se julga imortal. Um eleito e um protegido dos deuses. E, convenhamos, o cara que é capaz de ter três ou quatro ereções por dia tem todos os motivos para acreditar nisso.
E aos velhinhos, o grupo de maior risco do comunavírus? E aos 300 do Asilo? Que atenuante poderíamos lhes conceder pelas suas inconsequências, para que não sejamos acusados de discriminação, de geriatrofobia? O que lhes poderia ser aceito como álibi?
Creio que um da mesma natureza que o concedido ao jovem; apenas no outro extremo do espectro da vida. O jovem não tem a precisa noção de sua finitude; já o velho não só a tem como também sabe que ela lhe chegará em breves e curtos anos.
Então, o velho, já com sua missão cumprida, filhos criados, já no bico do urubu, já mijando no pé, já tendo tirado as medidas com o alfaiate da funerária para o seu paletó de madeira, resolve desbundar, despirocar, "aproveitar" os poucos anos que lhe restam vivendo a ilusão de ser novamente jovem, dobrando e unindo, assim, os dois extremos do espectro da vida e fechando o círculo da triste existência humana.
Com 90 anos de idade, o matusalém vai se cuidar para quê? Vai adotar alimentação saudável e ir fazer ginástica na praça para quê? Para chegar aos 92, 93 anos? Porra nenhuma! O velhinho quer mais é rosetar! Parar de beber? De fumar? O caralho!! Na velhice, os vícios nos são os únicos prazeres possíveis.
O jovem se arrisca porque acha que não vai morrer; o velho, porque não tem muito mais pelo que viver.
Depois de uns quinze ou vinte minutos de filosofia barata, que geraram esta postagem, percebi que o motivo para a "loucura" cometida pelos 300 do Asilo aqui de Ribeirão nada teve de existencial, de "profundo" quiçá de metafísico. Foi produto da absoluta confiança na ciência. Na semana passada, os idosos e idosas (senão seria um baile gay) ribeirão-pretanos acima dos oitenta anos foram vacinados.
Pois os velhinhos tomaram a vacina, sentiram-se protegidos e foram brincar o carnaval!
Certíssimos, os velhinhos!!!!
Só esperemos que a vacina chinesa, a CoronaVac, não entre em conflito medicamentoso com o Viagra, produzido pela Pfizer. Interação desastrosa que levaria a uma movimentada e concorrida Quarta-Feira de Cinzas. No único crematório da cidade.
Pãããããta que o pariu!!!!!

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4 Comentários

  1. Marreta, meu caro Marreta, você não sabe (ainda bem!) o que te espera! Uma vez você elogiou minha forma tranquila de abordar a velhice, algo assim. Isso deve ter acontecido lá no início do blog, quando eu era "só" um velhinho 6.5 ou perto disso. Você já tentou parar um carro que desce sem freios uma ladeira? Pois é, é mais ou menos isso que acontece quando nos aproximamos dos 70. Seu texto é muito engraçado, mas terrivelmente otimista. Aguarde os (seus) próximos capítulos!

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    1. Rapaz, é a primeira vez que alguém diz que sou otimista. Acho que estou mesmo ficando velho.

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  2. Quanto à "desobediência civil" ouvi esta semana um comentário interessantíssimo, uma releitura inesperada mas super pertinente desse assunto. Alguém disse que a atitude verdadeiramente transgressora é a opção pelo isolamento, pois é exatamente o oposto do comportamento preconizado por nosso presidente. E que a realização das baladas clandestinas, aglomerações, recusa ao uso de máscaras e de medidas preventivas contra a contaminação do corona é que são as verdadeiras atitudes obedientes, pois obedecem e seguem os exemplos que um provável psicopata vai deixando por onde passa. É ou não é uma boa reflexão?

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    1. Olhando por esse lado...
      Mas ainda acredito, como eu disse uma vez, que o Bolsonaro não é a causa de tudo o que está acontecendo, ele é o emblemático efeito da orgulhosa ignorância da maioria esmagadora do povo brasileiro. Não pense que com outro presidente lá no Planalto a situação seria diferente.

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