Movido A Álcool

Com a crise do petróleo, em 1973, o mundo começou uma corrida desenfreada na busca de combustíveis alternativos em larga escala. E a solução não veio dos EUA, da Europa ou do Japão. Por incrível que pareça, o mais bem sucedido desses projetos nasceu no Brasil.
Em 14 de novembro de 1975, o governo do general Geisel criou o Pró-Álcool (ou Programa Nacional do Álcool) através do decreto nº 76.593.
Sim, o maior programa mundial de combustível alternativo ao petróleo tem tecnologia 100% nacional, e nasceu pelas mãos dos militares. Esse é mais um belo contraexemplo para calar a boca daqueles que dizem que os militares não investiam em pesquisa, em educação etc.
O Pró-Álcool fez desenvolver também outras tecnologias além da do etanol; a exemplos, a de motores, a de fertilizantes, a de polímeros, a do plástico biodegradável.
O Brasil produziu 600 milhões de litros de etanol entre 1975-76, e deu um salto para 3,4 bilhões de litros entre 1979-80. Os subsídios governamentais praticamente obrigavam os usineiros a produzirem o etanol combustível em detrimento do açúcar e do etanol, digamos assim, potável.
E foi esse cenário que causou um imenso assombro e preocupação em um de nossos maiores e mais emblemáticos músicos, Raul Seixas. Apavorado com a possibilidade de todo álcool ser destinado aos tanques dos automóveis, e nada sobrar para os bebuns, Raul compôs a pouco conhecida (injustamente) Movido A Álcool, de seu LP Por Quem Os Sinos Dobram (1979).
Na letra, Raul se declara confuso com a situação, pergunta : "Por que que o posto anda comprando tanta cana, Se o estoque do boteco, Já está pra terminar? "
E segue protestando, ironizando : "colocar cachaça em automóvel é a coisa mais estranha de que eu já ouvi falar"
Delírios paranoicos de um bebum? Não, nada disso, e sim visões, pré-visões, vaticínios de um autêntico profeta.
A preocupação de Raul frente a um possível racionamento da água que passarinho não bebe era estritamente artística. Lá na letra, ele diz : "veja o poeta inspirado em coca-cola, que poesia mais sem graça ele iria expressar".
É verdade!!! Ninguém escreve nada que preste tomando fanta uva ou chá de camomila.
Não que o álcool dê talento para alguém, de forma alguma. Se o cara nascer um asno, ele pode tomar um tonel de cachaça, só irá se tornar um asno bêbado. Se, no entanto, o sujeito possuir uma certa capacidade criadora, o álcool a potencializa, cataliza-a, torna-a mais patente, mais fluida, libera os poderes do sujeito.
O álcool é o SHAZAM do poeta.
De novo, pergunto, exagero do Raul? Não, definitivamente não.
O cérebro - o bom cérebro - realmente funciona mais rápido e se torna capaz de soluções mais criativas sob a influência de adequadas concentrações alcoólicas.
É o que constatou um estudo realizado na Universidade de Illinois, EUA. Os participantes do estudo foram divididos em dois grupos : metade deles foi alcoolizada até atingir a concentração de álcool no sangue de 0,075, que é acima do permitido para motoristas na maioria dos Estados norte-americanos; os demais - os azarados - continuaram sóbrios durante o estudo. 
Os dois grupos foram submetidos a testes de livre associação, uma forma simples, rápida e eficiente de avaliar a solução criativa para problemas propostos. Cada participante ainda teve que explicar como chegou na resposta correta, se por algum método de associação ou por mero lampejo espontâneo.
Entre os alcoolizados, o índice de acertos espontâneos atingiu os 58%, contra os 42% alcançados pelos sóbrios. Além do maior índice de acertos, os bebuns também apresentaram as respostas de forma mais rápida - uma média de 12 segundos, contra os 15 segundos dos caretas.
O álcool deixou os cérebros dos participantes mais rápidos e eficientes, o que sugere, segundo os pesquisadores, que o álcool pode, em determinados casos, contribuir para que as pessoas encontrem respostas mais rápidas e de forma mais criativa. Eu não diria de forma mais criativa, diria de forma mais inspirada.
Em suma : o cérebro é movido a álcool. Como já dizia Raul! Há mais de 30 anos, há dez mil anos atrás.
Raul Seixas, como bom poeta e profeta, antecipou-se à nossa claudicante ciência. O álcool nos deixa mais livres, mais imunes à nossa autocensura (muitas vezes inconsciente), põe um pouco mais de penas em nossas vestigiais asas.
E eu aqui, com ainda mais três dias de antibiótico pela frente, tomando minha cervejinha sem álcool, tentando invocar um improvável efeito placebo, cerveja sem álcool é mais sem graça do que dançar com a irmã.
A cerveja sem álcool é a kryptonita do poeta.
E toca Raul!!!!

Movido A Álcool
(Raul Seixas)
Diga, seu dotô as novidades
Já faz tempo que eu espero
Uma chamada do senhor
Eu gastei o pouco que eu tinha
Mas plantei aquela cana
Que o senhor me encomendou
Estou confuso e quero ouvir sua palavra
Sobre tanta coisa estranha acontecendo sem parar
Por que que o posto anda comprando tanta cana
Se o estoque do boteco
Já está pra terminar
Derramar cachaça em automóvel
É a coisa mais sem graça
De que eu já ouvi falar
Por que cortar assim nossa alegria
Já sabendo que o álcool também vai ter que acabar?
Veja, um poeta inspirado em Coca-Cola
Que poesia mais sem graça ele iria expressar?
É triste ver que tudo isso é real
Porque assim como os poetas
Todos temos que sonhar.
É triste ver que tudo isso é real
Porque assim como os poetas
Todos nós temos que sonhar

Fonte : BBC Brasil

Postar um comentário

2 Comentários

  1. Azarão, vc sempre escreve (meio) bêbado aqui no Marreta??...rs. Abc.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Meio?
      Infelizmente não.
      Fazia tempo que você não aparecia.
      Por que parou de postar no seu blog?
      abraços.

      Excluir