Pequeno Conto Noturno (4)

Rubens acolhe a boca que se lança em direção à sua.
Lábios se esmagam em missão de reconhecimento e logo começam a sobrepôr-se, um querendo mostrar que é mais hábil naquilo que o outro, muito mais uma tentativa de jugo que de afeto; as línguas esgrimam no espaço vazio da boca, arranham-se nos dentes, nas arestas mal-polidas das obturações.
- Beijo gostoso... - diz Natália.
- É. - concorda Rubens, já querendo dar a questão por encerrada.
- Eu tinha certeza que seria, desde que entrei e te vi ali quieto naquele canto. Você também não teve a mesma impressão, assim que me viu, de que seria bom? - e Natália lhe toma de novo a boca.
- Tive - responde Rubens - assim que sua língua volta a lhe pertencer, quando Natália encerra o beijo - e toma um grande gole de sua cerveja morna.
Esse é o problema, pensa Rubens, quando esse tipo de contato é estabelecido num bar, tem-se que ficar dispensando certa atenção à pessoa e a cerveja esquenta no copo.
Todo primeiro beijo é bom, pensa ainda Rubens, com Natália já a lhe aplicar outra ventosa, e também todos os subsequentes a ele dados na mesma noite.
Depois disso, pasteuriza.
Vira apenas mais uma outra boca.
- Vamos ali pra mesa, deixa eu te apresentar pros meus amigos - Natália, querendo exibir a captura.
- Olha, é melhor não.
- Você é tímido, né? Bem que eu percebi.
- Não, nada disso. Só não sou muito bom com amigos dos outros. Nem com os meus.
- Deixa disso, vamos lá - e puxa Rubens.
- Pessoal, esse é o Rubens.
Rubens percorre a mesa com o olhar, finge cumprimentar a todos com leves movimentos de cabeça, não se fixa ou registra nenhum dos rostos, olha através deles, o mesmo pastiche humano de sempre.
Sentam-se.
- E aí, Rubens? - e a voz lhe aperta a mão.
- Viu que sacanagem o jogo, aquela bola...
- Não vi - corta Rubens - não vejo.
- Torce pra quem?
- Não torço.
- Ah! Só pra seleção, então.
- Muito menos. Não torço nem pra mim.
A voz apertadora de mãos recua, disfarça e vai olhar alguma merda no celular.
- Sabe que a Natália ficou afim de você desde que a gente chegou? - outra voz, dessa vez feminina, lhe cumprimenta com três beijinhos nas faces, perfume cítrico e um belo par de tetas.
- Sei, tô sabendo.
- E o que você faz da vida, Rubens?
- Nada.
- Nada?
- Às vezes - segue Rubens, simpático - saio e tento beber em paz, mas não é sempre que me deixam.
O perfume cítrico e as duas belas mamadeiras também recuam.
Mais uns quinze minutos se passam.
Jogos de futebol, dietas, técnicas revolucionárias de alisamento de cabelos, modelos novos de celular, novos nomes no cenário musical sertanejo, resumo de novelas, a evidente vantagem do twitter sobre o orkut e outros temas tão úteis como um furúnculo no saco circularam pelas bocas.
Rubens quieto. Alheio.
- Você não é mesmo muito bom com gente, né? - Natália, generosa.
- Eu avisei.
- Tudo bem - Natália se achegando e passando a mão pela virilha de Rubens - então me dá outro daqueles beijos, delicioso.
Rubens a beija.
Sem nenhum significado.
Sem nenhuma fúria.

Postar um comentário

2 Comentários

  1. Tô l3ndo um desses, de trás prs frente, sempre antes de dormir. Todos os contos noturnos são as desventuras do Rubens?

    ResponderExcluir