Fazer o Que da Vida?

Sou um velho.
Não fiz nada de minha vida.
Mas será que a vida é feita
Para que algo se faça dela?

Sou um velho.
Não fiz nada de minha vida.
Mas a vida já não é 
(já não seria)
Em si própria 
A obra-prima
Pronta e acabada
Irretocável
Mona Lisa da existência?

Sou um velho.
Não fiz nada de minha vida.
Sou filho rebelde e reclamão dela.
Ovelha negra.

Ainda assim
A vida me mantém vivo.
Ainda assim,
Mãe ingênua, ilusa e cega
(como toda mãe )
Acredita que farei algo da vida.
Que encontrarei
Algum propósito 
Gosto
Motivação 
Satisfação. 
Algum
- cruel como toda mãe zelosa -
Amor pela vida.

Sou um velho.
Não fiz nada de minha vida.
Desprezei seus cuidados
Seus conselhos 
Suas canjas e orações 
Escarneci de seus zelos.

Por vingança, 
A vida,
Que nunca foi fácil de se viver,
Por castigo,
A vida,
Que sempre foi esposa geniosa, 
Me guarda
Me cerca
Controla meus horários 
Minhas idas e vindas.

Cão doberman, 
A vida,
Não deixa 
Sequer
Achegarem-se a mim
Os flertes e os galanteios
Da Morte.

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3 Comentários

  1. Olha Azarildo, essa sua veia poética, mesmo que trocando o belo por cenas de angustia, é muito boa!
    E quem disse que um poema tem que ser de amor, de beleza, de positividade?
    Parabéns amigo.

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    Respostas
    1. Cara, nesse meu atual desânimo para escrever, um elogio desse é um fortificante, uma catuaba para minha inapetente caneta.
      Sim, poesia não precisa ser melosa, piegas,tratar somente das Marílias. Até pode ser também, mas não só.
      Vide o inigualável e inclassificável Augusto dos Anjos, o poeta da putrefação.
      Até o Bandeira versa sobre isso:

      Nova Poética

      Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
      Poeta sórdido:
      Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
      Vai um sujeito.
      Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe o paletó ou a calça de uma nódoa de lama:
      É a vida.

      O poema deve ser como a nódoa no brim:
      Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.
      Sei que a poesia é também orvalho.
      Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfa, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade.

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    2. Isso mesmo Azarildo, mas as pessoas se esquecem.

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