Não É Carnaval, Mas É Madrugada (17)

Não gosto do Carnval festa em si - evento coletivo. Gosto do carnaval conceito - celebração individual.
Gosto do carnaval livramento. Do carnaval libertação - ainda que fugaz e, logo, ilusório - das amarras e das convenções morais, sociais e religiosas. Do carnaval alforria, principalmente de mim mesmo, de minha identidade oficial, da persona que fui/foram construindo ao longo do tempo. Gosto, assim como o Bandeira, do carnaval folguedo existencial. O carnaval do ser, do não-ser. Como é bom não-ser.

Gosto, sobretudo, das antigas músicas carnavalescas. Não obstante serem executadas pelas grandes orquestras de baile de salão em ritmos alegres e dançantes - seus trajes coloridos de cetim -, têm letras carregadas de tristeza e melancolia - suas máscaras negras. Talvez, justamente, por saberem os seus autores da efemeridade da ocasião, do fogo-fátuo de tanto riso, oh, quanta alegria.

Dizem já da saudade que ficará do carnaval ainda a transcorrer. Cantam alegremente a tristeza que advirá quando, na quarta-feira, as fantasias, os confetes e as serpentinas forem reduzidos a Cinzas.
Dia de festa é véspera de muita dor, já disse o Poetinha.

Nesta madrugada de sábado para domingo, a tomar minha última - ou penúltima, ainda não havia me decidido-, chegou-me aos ouvidos, através das ondas da excelente rádio MPB Máquina do Tempo, uma dessas preciosidades agridoces do nosso cancioneiro de Momo, desconhecida por mim.
Arrepiei-me - não sei se efeito da madrugada, se da vodka, se de meus antigos carnavais.

Apesar de muito boa, a rádio tem o péssimo hábito, comum à maioria delas, de não informar o nome da música ao seu término, nem os de seus cantores e compositores. Lembrando-me ligeiramente do refrão, escrevi-o no Google e voilà
Ídolo de Cera, interpretada por Fernando Mendes. Cantor e compositor da década de 1970 considerado cafona à época, o equivalente ao brega de hoje em dia. Emplacou vários sucessos nas rádios AM de então. O maior deles, Cadeira de Rodas : "sentada na porta, em sua cadeira de rodas ficava, seus olhos tão lindos, sem ter alegria, tão triste chorava".

O mesmo Fernando Mendes que foi revivido para a cena musical quando Caetano Veloso regravou uma canção de sua autoria, Você Não Me Ensinou a Te Esquecer, que fez parte da trilha sonora do filme Lisbela e o Prisioneiro.
A canção ficou belíssima na voz do mano Caetano, e foi sucesso nacional. Acreditem ou não os mais "refinadinhos" e "sofisticadinhos", mas a versão do cult Caetano não difere tanto da do cafona Fernando Mendes.

"Eu estou perdido nesse bloco de ilusão, eu estou perdido nesse bloco de ilusão. Sou apenas uma lágrima forçada, de um palhaço que insiste em não sorrir, não sou ator, não sou poeta e faço versos, mas de repente numa rima eu me perdi", nos diz Fernando Mendes em Ídolo de Cera.
Quem não conhece, vale muito dar uma ouvida.

Ídolo de Cera
(Fernando Mendes/Salim/José Wilson)
Eu vou me embora, minha gente já é horaDe acabar com esse sorriso de impressãoNão tenho ódio, tenho amor dentro do peitoAgora eu choro pois é grande a emoção.
 
No mesmo instante que eu penso em ir emboraSinto vontade de ficar, pra quê partir?Se em outros campos muitas flores já morreramNo meu canteiro elas tentam resistir.
 
Eu estou perdidoNesse bloco de ilusão(Eu estou perdido)(Nesse bloco de ilusão)
 
Eu sou apenas uma lágrima forçadaDe um palhaço que insiste em não sorrirNão sou ator, não sou poeta, faço versosMas de repente numa rima eu me perdi.
 
Interpretando a minha vida vou em frenteSe o meu semblante é de graça, podem rirMas fiquem certos que a morte ronda pertoQualquer momento vocês vão me aplaudir.
 
Eu estou perdidoNesse bloco de ilusão(Eu estou perdido)(Nesse bloco de ilusão).
 
Os meus farrapos e meus trapos já junteiSó resta agora encontrar a soluçãoSe espero a morte ou se vou de encontro delaPorque na vida de um tudo eu já provei.
 
Se algum me encontrares pela ruaJogando pôquer numa mesa de ilusãoNão faças caso, és mais um que passa e olhaPra esse palhaço já no fim da procissão.
 
Eu estou perdidoNesse bloco de ilusão(Eu estou perdido)(Nesse bloco de ilusão)(Eu estou perdido)(Nesse bloco de ilusão)(Eu estou perdido)(Nesse bloco de ilusão).
 
 
Para escutar a canção, é só clicar aqui, no meu carnavalesco MARRETÃO.

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