Um Dia na Vida (14)

Domingo de Páscoa. Retorno de um feriado passado na casa da sogra. Esposa a dirigir. Não tenho habilitação para conduzir veículos; aliás, para nada. Estrada sentido MG, SP.  100, 110 km/h. Algo tocando no rádio. 
Abro as portas da gaiola do meu pranto. Não um pranto convulso, ruidoso. Contido, bem-educado. Passos de gato em almofadas de paina. Para que a esposa, que nem de longe é o motivo dele, não o escute, dele não se dê conta. Embora, acredito, ela o suponha.
Pranto libertado em gotas homeopáticas, como as águas escoadas planejadamente de uma barragem, para impedir que a pressão não alcance o ponto crítico. 
E choro.
Choro pela clara evidência de ter falhado na última área de minha vida em que ainda poderia lograr relativo sucesso. Na última área em que eu ainda esperançava que.
E choro. 
Choro, Augusto, pela morte de minha última quimera, posto que ninguém assistiu ao formidável enterro dela.
Inusitada, arisca e corisca, saída de uma pequena mata, cruza a estrada, uma Caligo brasiliensis. Coruja por fora, céu de brigadeiro por dentro.
A cada abrir de asas, um relâmpago celeste lançado em minha direção. Deixo que eles me atinjam em cheio, que minhas retinas sejam seus privilegiados para-raios. 
E o pranto diminui um pouco o seu fluxo. Fica um pouco menos salgado.
Mas só um pouco.

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