Um Café com o Scooby-Doo

A validar o antigo ditado da água mole em pedra dura, depois de anos de sutil, porém, constante e pacienciosa pressão por parte da esposa e filho, em fins de dezembro passado, concordei : - tudo bem, vamos ter um cachorro.
Concordei nem tanto com a ideia em si. Sim para não ser, mais uma vez, voto vencido. Concordei meio que a la juramento de Galileu. 
Tivera, antes, cachorros em casa apenas uma vez. E num passado tão longínquo que só tenho certeza de que existiu porque, enfim, estou aqui.
Banzé e Lili, um casal de pequineses. Contava eu, então, com um ano de idade ou pouca coisa mais. Tenho a lembrança de ter lhes tido, ou de me falarem que os tive. Lembro-lhes a aparência geral, mas não da cor de suas pelagens, por exemplo. Sempre que me vêm à lembrança, surgem-me em preto e branco. O que me leva a suspeitar de que não lembro exatamente deles, mas deles numa antiga foto,  ainda guardada por minha mãe, na qual eu apareço, trajado em fraldas de pano, com Banzé e Lili ao meu lado. Será que isso é o que chamam de memória fotográfica?
Depois de Banzé e Lili, só gatos. Tanto durante os anos em que morei com meus pais como depois de independente, casado etc. 
Desde 2007, temos a Cleonice e a Pretinha, duas senhorinhas com mais de 15 anos, desfrutando de suas sétimas e últimas vidas.
Concordei, enfim, com a vinda do cachorro. Mas, como macho alfa do pedaço, impus duas condições para tal, duas cláusulas pétreas. Primeira  : que fosse uma fêmea; ao menos, ela não sairia a demarcar territórios imaginários pelos batentes das portas e pelos pés das mesas, cadeiras, camas e sofá. 
Segunda: que eu não tivesse nenhum trabalho ou responsabilidade adicionais no que tangesse aos necessários cuidados a serem dispensados ao novo morador. As duas gatas são velhinhas já doentes e todo o controle e administração de seus remédios são feitos por mim. Ou seja, a esta altura do campeonato e da minha prostração existencial,  a última coisa de que preciso é de outro filho pra cuidar. Há dias em que tenho de reunir inexistentes forças até mesmo para regar meus vasos. 
Tudo relativo à cadelinha, portanto, caberia a eles,  esposa e filho. Comprar a ração,  dar banho, levar pra passear,  limpar a casa das necessidades feitas pelo chão,  levar à veterinária etc. Eu, no máximo, iria fazer um cafunezinho no bicho.
Ambos concordaram com minhas exigências. 
E veio Pandora. Uma filhote de 2 meses da raça yorkshire. Assim como se deu com as gatas, preferíamos ter adotado uma vira-latinha sem lar, mas nunca se sabe ao certo o tamanho que um vira-lata terá quando adulto e, como moramos em apartamento, um animal de grande porte poderia se tornar em um estorvo.
Veio, assim, Pandora. Não foi hostilizada pelas gatas. Tampouco festejada ou acolhida por elas. Até hoje, quatro meses depois, é tratada com a total indiferença típica dos felinos. 
Veio Pandora. E, uma semana depois de sua chegada, a primeira ida à veterinária, a mesma das gatas.
A cumprirem a minha segunda exigência, adivinhem quem levou Pandora à consulta? Óbvio que a esposa e o filho, certo? Óbvio é o caralho! Eu. Imprevistos no expediente da esposa.
Antes de eu ir, passou-me uma lista de perguntas, de dúvidas a serem esclarecidas com a veterinária a respeito da criação do bicho, vacinas, época de castração etc.
Antes que eu começasse a inquisição encomendada pela esposa, a veterinária, despachada que só ela e me conhecendo há tempos, foi logo dizendo: - esqueça tudo o que você pensa saber sobre cuidar de pets, cachorros são um outro universo, filhotes de cachorro, mais ainda, filhotes de yorkshire, então, aí é que piorou, é raça das mais espevitadas, terríveis. Fiquei animadíssimo.
Entre as questões anotadas pela esposa, a de como educar Pandora a mijar e cagar num local pré-determinado, em cima de um tapete higiênico próprio para tal fim. Até então, ela mijava e cagava por toda parte, onde lhe ocorresse a vontade. A cumprirem mais uma vez a minha segunda condição, esposa e filho é que se encarregavam da limpeza, certo? Mais ou menos. Pero no mucho. Mezzo a mezzo, neste caso. 
Orientou-me, então, para a colocarmos sobre o tapete higiênico sempre que percebêssemos a intenção dela de fazer "coco e xixi". E assim que ela acabasse de se aliviar no local correto, deveríamos, a título de reforço positivo, brindá-la com uma recompensa, uns petiscos. Sugeriu umas barrinhas que imitam o sabor de carne, ou uns biscoitinhos caninos. É a pedagogia Scooby-Doo.
Além do petisco, que o feito fosse efusivamente festejado, aplaudido e incentivado. Conhecendo-me, fez a seguinte observação: - eu não consigo imaginar você efusivo com muita coisa, mas compensa fazer uma forcinha nesse caso. É uma figura, a veterinária. Fora ser um esculápio de pets, dedica- se também à artística atividade do canto. Sabe cantar, disse-me um dia, até em élfico. 
O projeto pedagógico da Pandora foi posto imediatamente em ação. Na primeira vez em que ela deu aquela esvaziada no tapete higiênico, recebeu sua recompensa, uma tirinha de um petisco sabor carne - os cachorros adoram, dissera a veterinária - e os tais aplausos, do meu filho, é claro. 
Pandora cheirou o seu prêmio, chegou a dar uma lambidinha, e não gostou. Cagou para o petisco. Dei-lhe, então, um biscoito canino. Cheirou, mas nem lambeu.
Pronto. Tinha acabado de ir por água abaixo a pedagogia Scooby-Doo. Assim como toda e qualquer pedagogia.
Hoje em dia, Pandora mija certinho no tapete higiênico, não faz mais pela casa. Mas educou-se quase que sozinha.
As tirinhas sabor carne, as gatas lhes deram fim, mas nem elas encararam os biscoitos. Fazer o que com eles ? Jogá-los fora? Os dois pacotes comprados pela minha esposa?
Como relatei aqui há pouco tempo, eu não jogo fora nem alimento vencido. Vou deitar ao lixo biscoitos fresquíssimos? Porra nenhuma!
Experimentei um deles, do pacote já aberto, sabor coco e aveia. Deliciosos. Bons pra cachorro!
Matei o pacote no prazo de um semana, fazendo os biscoitos acompanharem o meu café pingado com leite de todas as minhas desesperançadas manhãs/madrugadas.


Resta ainda um pacote, "sabor original". Abri-o ontem e experimentei. Crocante. Salgadinho. Vou testá-lo amanhã. Como tira-gosto para a cerveja.
Depois conto se harmonizou.

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11 Comentários

  1. Eu me esqueci, mas mais tarde vou pôr uma foto da Pandora na postagem.

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  2. Rapaz, já comi ração para gatos achando que era "carne enlatada". Cheguei tarde e faminto da faculdade e minha avó havia guardado a ração em uma vasilha na geladeira. Achei que era carne pela cor e nem pensei 2 vezes: assei-a com arroz e jantei. No outro dia o gato tava sem almoço. kkkkkkkkkkkkkkkkk

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. De fato, é uma raça muito amorosa. Pensei que fosse me arrepender de concordar com sua aquisição, mas não me arrependi,não; muito pelo contrário.
      Sim, preciso me cuidar mas é da cabeça, meu quadro depressivo tá se agravando. Tenho tentado uma consulta com psiquiatra pelo convênio mas tá impossível, vou ter que pagar uma particular.
      Tanto que nem escrevendo tô mais com vontade.
      Abraço

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. A Pandora anda muito mais esperta que os alunos. Aprendeu direitinho!
    Apesar da trabalheira, os bichinhos são especiais.

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    1. Sim, são mesmo. São gratos e reconhecidos a qualquer bem que lhes façamos, por menor que seja. Muito diferentes do bicho humano.

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