Cerveja-Feira (33)

Resolvi : hoje, eu volto a beber! E ponto! Volto, não : já estou a.
Um mês sem cerveja, eu fico. Trinta dias, nem fodendo!
Ora, direis, certo perdeste o senso, Azarão, e eu vos direi, no entanto : nunca estive tão lúcido e dono de minhas faculdades (não à distância) mentais. E explico.
No Brasil, a hora-aula do professor tem cinquenta minutos; idem para a do psicólogo, a do terapeuta etc; a da puta, a depender do freguês, não chega nem a dez ou quinze minutinhos. Por que não posso instituir, então, o mês de três semanas?
No Brasil, há muito tempo que mandamos o Sistema Internacional de Unidades à merda. Aqui tem o litro, o litrinho e o litrão, com, respectivamente, 600 ml, 300 ml e 1000 ml. Por que não um mês com três semanas?
Pelas feiras livres Brasil afora, em muitas das quais ainda são usadas aquelas balanças antigas de pratos, o que existe de quilo com novecentos gramas não está escrito em nenhum gibi. Por que não o mês de três semanas?
Pois instituo, hoje e agora, o Mês Azarônico Trino, o mês de três hebdômadas. Cumpro, assim, o meu mês sabático de cerveja. E volto a beber. Já estou a.
Além disso, como bem lembrou-me e alertou-me o Cássio do Recife, macho e leitor das antigas do Marreta, hoje não é uma sexta-feira qualquer : é uma sexta-feira 13. Em tão agourenta data, não é aconselhável afrontar a paciência dos deuses do acaso e da fortuna com nossa sobriedade e nossa sisudez. Que, de tristeza, só se nutre o deus cristão. Aliás, afrontar os deuses, não : a deusa. Frigga, a deusa nórdica da fertilidade, esposa de Odin, madrasta de Thor e a responsável por esta desditosa data.
Sempre, neste infausto dia, Frigga (de onde derivou frigadag e friday, daí sexta-feira) se reunia - suspeito que ainda se reúna - com outras onze deusas e com o próprio Demônio, para, juntos, os treze, rogarem pragas à humanidade.
As pragas são uma retaliação de Frigga por a humanidade, antes devota a ela, ter virado as costas ao paganismo, aos elementais e aos deuses da Natureza e abraçado o Cristianismo. Mais do que justas e merecidas, portanto, as pragas de Frigga rogadas sobre nós.
Compreendo a tua ira e frustração, boa e boazuda deusa. Também não entendo por que o ser humano deixou de seguir deuses guerreiros, viris e paudurescentes às tavernas, às bebedeiras e às noitadas de orgia para se sentar cordeiro à sombra de oliveiras e ficar escutando o 171 do cabação de Nazaré, o Virgem de 33 anos. Também não me entra na cabeça por que o ser humano deixou de adorar e "homenagear" deusas feito ti, loiras ou ruivas, peitudas e voluptuosas, para passar a adorar um cabeludo e barbudo pelado pregado a uma cruz. Por que trocaram as fogueiras dos solstícios, dos equinócios, das festas da boa colheita, em torno das quais dançavam alegres, frenéticos e nus, pelas fogueiras da Inquisição? Também não sei, libidinosa deusa.
Mas não estenda nem despeje suas pragas e sua ira sobre mim, sobre este que vos fala, cornucópica deusa. Eu sou ateu. Não tenho nada a ver com isso, com a trairagem por ti sofrida. Eu só nasci no meio de tudo isso. Quando por aqui cheguei, a coisa já estava assim.
Como prova de minha solidariedade e de minha admiração por ti, coloco-me inteiramente aos seus serviços. Se caso, numa dessas sextas-feiras 13 quaisquers, o Demônio estiver muito ocupado, com a agenda cheia, e não puder comparecer ao nefasto encontro, convoque-me, formosa e bem fornida deusa. Convoque-me. Serei o teu 13º parlamentar. Surpreender-te-á com a minha disposição e com o meu talento de rogar pragas aos homens.
Um brinde, com um enorme canecão de hidromel, queria eu, nesta funesta data, levantar a ti; bebida que sei de tua predileção. Nascido e residente, porém, nestes tristes trópicos, não disponho da sagrada beberagem. Isto posto, peço-te desculpas pela heresia que irei cometer, mas a saiba mui respeitosa e reverente. Na falta do hidromel, brindarei a ti com o hidromilho, a nossa aguada cerveja brasileira.
Quem não tem hidromel, caça com hidromilho, embriagante deusa.
Um brinde, pois. À Frigga! À cerveja-feira 13! Ao fim do meu jejum! E a todos os leitores do Marreta, que devem ter tido o azar de aterrissar por aqui em alguma sexta-feira 13. 

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4 Comentários

  1. Chegando perto das eleições e seu inconsciente enaltecendo o número 13, sei não ...

    Deboche à parte, agora que notei que meu canecão é igual ao da foto. Muito bom o nome "Mês Azarônico Trino", vai adotar tal sistema quando o ano sabático passar? Só não divulgue muito, vai que o Dória gosta da ideia e começa a pagar seu salário nesse esquema: "trabalhe no sistema mensal universal e receba o equivalente ao Mês Azarônico Trino".

    Valha-me São Pavlov!

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    1. Rapaz, nem sei o que vou fazer quando o ano sabático acabar. Arrepio-me só de pensar.
      E agora me deixou deveras preocupado. Será que o Dória rastreia e lê o Marreta?
      Gosto bastante deste canecão, porém, há um inconveniente : só comporta latinhas de até 350 ml. Para os latões, eu tenho um outro, comprado à Sodimac, há uns dois anos, pela bagatela de 12,90.

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  2. Dona Frigga que me perdoe, mas se ela era madrasta do Thor, não consigo imaginá-la com o corpo em forma e curvas voluptuosas. Talvez a ruína física divina - provavelmente muito mais intensa que aquela que derruba e murcha os atrativos das mortais - seja a explicação de tanta ira contra a humanidade.
    Quanto às fogueiras de celebração das colheitas sabemos que basta um descuido de um proprietário de terras mais ambicioso para que o fogo se alastre descontrolado, fazendo da Terra uma zona. O que não acontecia com as fogueiras da Inquisição, uma espécie de fogo controlado, talvez inspiradoras de pratos da culinária moderna, tais como leitão à pururuca, pratos gratinados e churrasco gaúcho.

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    1. Rapaz, nada disso. Frigga é uma imortal, eternamente gostosa.

      https://artistjourney.wordpress.com/2014/12/16/frigga-the-all-mother-oil-painting/

      https://deusanut.wordpress.com/2014/09/29/deusa-frigga-a-amada/
      https://br.pinterest.com/pin/425519864793442320/

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