O Sonho Suicida de Clark Kent

O Super-Homem chega em casa
E sonha em tomar um bom banho,
Em deixar o cabelo por pentear,
Em botar uma cueca frouxa
E se sentar à sacada
À noite
A contemplar
As constelações
A Lua
O éter
O universo.
Como um visitante que olha para uma pintura num museu,
Não como um Van Gogh urgente a açoitar a noite estrelada com seus pincéis;
Como o destinatário de um cartão-postal entregue pelo carteiro,
Não como um turista sujeito a atrasos de voo e a indigestões por comidas locais;
Como um espectador acéfalo hipnotizado pela tela de uma TV aberta;
Não como um ator a encenar o drama cósmico do horário das oito.

Super-Homem chega em casa
E sonha em não ser super,
Em não ter que se superar.
Sonha em não ter que fazer a barba,
Em não ter que encolher a barriga,
Em não ter que pôr enchimento na cueca sobre o uniforme,
Em não ter de disfarçar a sua miopia.

Qual o quê...

Super-Homem, a lâmpada da cozinha queimou;
Super-Homem, é dia de pôr o lixo para fora;
Super-Homem, a resistência do chuveiro;
Super-Homem, acabaram o sabão em pó, o vinagre, os ovos e o papel higiênico;
Super-Homem, a ração dos gatos;
Super-Homem, tem uma barata atrás do sofá;
Super-Homem, pagou o IPTU?

E o Super-Homem prefere, então,
Ir dormir.
E sonha em sonhar
Com um eclipse total de um sol vermelho
E com duas rodelas de kryptonita
Em seu gin-tônica.

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6 Comentários

  1. Que baita poesia. É de ler e reler e reler novamente.

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    1. E tudo porque eu tinha acabado de fazer tudo o que tinha para ontem, fazer tudo apressadamente, não obstante tudo de acordo, para, enfim, sentar-me à sacada para iniciar a merecida cervejinha do fim de semana. Estava lá eu, então, no meio da primeira latinha, ouvindo Premê e fim do sossego : minha mulher soltou um berro, vindo do banheiro. Ela foi pegar o cesto de roupas sujas para pôr à máquina e deu de cara com uma barata entrando por entre as roupas. Fiquei puto pra caralho, claro. Eu no sossego e convocado pra matar uma pobre de uma cucaracha. Cadê a porra da igualdade feminina? Acaba quando alguém tem que matar uma barata? Até pensei em argumentar que ela estava a me estereotipar, que isso do macho ter que matar a barata é pura construção social etc, mas seria só arrumar briga com quem não se pode vencer. Larguei minha cerveja, dei uma pausa no CD, fui e matei a barata. E saiu o poema.

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    2. Estou a rir! Mas, ao menos não foi de todo em vão. As cucarachas também não ajudam, não sabem viver despercebidas.
      Enfrentei situação parecida esses dias, as 02h00 da madrugada. Mas me convocaram para assassinar uma ratazana que sabe se lá de onde veio.
      O rato foi mais esperto do que eu. Julguei, pelo tamanho, que conseguiria matá-lo. Ledo engano. Joguei o chinelo no coitado, pareceu não fazer qualquer efeito. Era como se ele me desafiasse. No fim, eu mais cansado do que ele, resolveu me prestigiar com uma fuga para as ruas. Para então eu voltar ao meu curto sono.

      Abraços! Aproveite o domingo.

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  2. Oraaaaaaa depois do feminismo que movimento agora é esse? Só falta agora as baratas começarem a se manifestar.
    Em tempo: a última estrofe é muito do caralho.
    "J"

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