Dodecassílabas

O poeta -
Sem versos,
Feito leão que perde os dentes,
Feito Sansão que perde a juba -
Está à mesa do bar,
A tomar a cerveja mais barata
Que seus livros nunca publicados podem pagar.
E passa a tiete,
A ex-macaca de sarau,
Hoje, balzaquiana de livraria de shopping,
De megastore,
Consumidora voraz muito mais de espressos e de capuccinos
Que de livros.
- Lembra de mim, poeta? 
- Claro que me lembro.
(o poeta não faz a menor ideia de quem ela seja, ou de quem tenha sido)
- Nós fomos para a cama algumas vezes - arrisca o poeta, num risco calculadíssimo -, isso lá nos bons tempos.
- Isso mesmo, poeta. Não é que te lembras?
O poeta não lembrava dela
Mas lembrava dos bons tempos.
Tempos em que as suas folhas sem pauta nunca ficavam em branco,
Em que sua máquina de escrever, 
Por pouco,
Não o indiciou por trabalho escravo.
Tempos das folhas cheias, que traziam fartura e bonança de bucetas.
- Não mais publicas nem recitas? - pergunta ela - Por que mais não escreves?
- De que jeito? Com que tempo? Com que urgência? Com que espanto? Com que Carnaval? Com que vida? - responde o poeta, e drena o resto da cerveja do copo.
Ela beija a boca do poeta.
Vende a sua buceta a ele
Em troca de alguns versos :
Buceta larga, frouxa e cansada
Oferecida como se de uma debutante fosse.
O poeta suga os peitos dela.
Vende a sua poesia a ela
Em troca de uma buceta :
Versos antigos, inacabados, sepultados natimortos pelo poeta em seu cemitério de gavetas
Oferecidos como se inéditos e em intenção dela fossem.
Qual dos dois o mais prostituto?
Que prostituição a mais louvável?
Terminada a trepada,
O poeta retoma velhos vícios :
Acende e fuma uma longa,
Muito longa estrofe.
Dodecassílaba.

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1 Comentários

  1. Tenha visto que, o poeta ainda escreve bem, ainda que sem urgência, não chega perto da decadência de versos que já escutei.

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