Colapso

Conto só com meus músculos lassos 
Para propelir cada um de meus indecisos passos. 
E ainda que funcionem só por condicionamento, 
Que caminhem sem ter porquê caminhar, 
Ainda que cada contração seja um lamento, 
Estão um tanto distantes de me atraiçoar. 

Conto só com uma pequena úlcera gástrica 
A lembrar-me de que preciso de comida, 
Apenas um comodismo absurdo 
Ligando-me ainda à vida. 
Só o meu calor a dormir comigo 
E a solidão de um buraco negro a se oferecer em jazigo. 
Ainda assim 
Não é agora que vou deixar de regar minhas plantas. 

Conto só com o silêncio telepático de meus neurônios 
Para conversas, conselhos e bebedeiras. 
Conto nem com minha metade 
Fração sempre fui, minha vida inteira. 
E se o ar por mim ainda flui 
É por pura inércia rotineira. 
Ainda assim 
Não é motivo pra eu deixar de abrir minhas cartas. 

Em verdade, 
Sou galáxia na iminência de um colapso; 
Não importa: 
Sou meu próprio Sol, planetas e satélites.

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10 Comentários

  1. ...mais vivo que muitos mortos serelepes que vejo todo dia. E olha que morrem de alegria, com sorriso no rosto.

    Sobre o poema, vou plagiar o tema. Gostei desse.

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    1. sim, estão mortos de alegria, literalmente. Aquele sorriso da Xuxa, né?
      Plagie à vontade. Apodere-se do tema, que, afinal, em alguns anos chegará a sua vez.
      Apodere-se, eu disse; e não empodere-se, que isso é coisa de feminista rançosa, suvacuda e de teta caída, um horror.

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  2. É curioso perceber você vivenciando agora tudo o que eu senti há uns dez anos, só que, no seu caso, de forma muito mais poética (mesmo que às vezes, para meu “paladar”, com excesso de “tempero” - o que indica apenas diferença de estilos). O que posso dizer, voltando ao belo poema, é que daqui a uns dez anos, você estará igual às UPPs do Rio: pacificado. Você também, provavelmente, terá perdido um pouco do élan, mas “c’est La vie”. Que 2017 seja para você e seus leitores/ seguidores um ano melhor que 2016 (porque 2016 foi brabo). JB

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    1. pacificado como as UPPs? Que o teu deus te ouça, JB, pois elas continuam em polvorosa, pegando fogo.

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    2. a ideia era essa mesmo. Ironia, afinal, nunca é demais. é mais ou menos como serragem de madeira queimando: por cima, parece até normal, mas basta revolver um pouco que o fogo aparece.

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    3. Provavelmente, você conhece essa música,mas sempre vale a pena escutar de novo :
      https://www.letras.mus.br/adoniran-barbosa/188497/

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    4. Bacana, mas confesso que não conhecia. Curiosa é a referência à expressão "é uma brasa, mora"!,usada pelo RC nos "velhos tempos, belos dias".

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    5. Adoniran, na minha opinião, apesar de mal ter feito o antigo grupo, é um dos grandes gênios da nossa música. As sua letras, aparentemente simples e despretensiosas, são inspiradíssimas.
      Ele usa uma brasa, pois se refere aos meninos desse tal de iê-iê-iê, muito bem sacado.
      Gosto muito da fala do final :
      "É negrão... eu ia passando, o broto olhou pra mim e disse: é uma cinza, mora?"
      É uma cinza, muito bom. Eu já tô nessa, ao menos os cabelos, que já estão todos cinza.

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