Em 2003, escrevi um poema intitulado O Criador de Gatos. Não sei por qual via o poema chegou até às mãos de Antônio Abujamra, do programa Provocações, da TV Cultura, que o leu no encerramento de um de seus programas há três meses.
Eu nem fazia ideia disso. Minha esposa foi quem chegou com a notícia; vasculhando o google, ela deu de cara com a sinopse do programa em que foi feita a leitura de meu poema.
Entrei agora no site da TV Cultura e realmente está lá, o Abujamra lendo O Criador de Gatos, com meu nome, inclusive, aparecendo no início, na forma de legendas. Sabendo da qualidade intelectual do apresentador e de seus entrevistados, fiquei lisonjeado, lógico. Assisti ao vídeo e, confesso, decepcionei-me.
Se Abujamra gosta de provocar, conseguiu seu intento comigo.
Ele pulou alguns versos do meu poema e, como se não bastasse, não leu o verso final, o fechamento do raciocínio. Pior que não ter lido o verso final : modificou-o.
Reproduzo abaixo o poema em sua íntegra e, ao final dele, o link para o vídeo do Abujamra lendo o Azarão. Puta que o pariu!!
Coloquei em negrito os trechos não lidos e/ou modificados pelo apresentador.
O Criador de Gatos
Envenenem-se, crianças,
Envenenem-se, crianças,
Crias desse tempo sem calmaria nem bonança.
Envenenem-se, crianças,
Ainda no sonhar, logo ao despertar,
Antes do café da manhã, envenenem-se.
No ponto de ônibus,
Antes do “bom dia” seco do professor, envenenem-se.
Vistam-se de lodo e degeneração :
Camuflem-se ao mundo em que lhes jogaram.
Mas, fundamentalmente, envenenem-se.
Amaluquem-se de peçonha,
De refrigerante com monóxido, de água de esquistossomose,
De cistos de desesperança.
Envenenem-se, crianças.
Envenenem-se de filhos remelentos e hidrocéfalos,
Reproduzam sua miséria, sua histeria.
Infectem-se com seus gametas de Hiroshima.
Envenenem-se, crianças,
De multinacionais, de multimídias, de mutilações.
Envenenem suas narinas, veias e alvéolos
Que o mundo não vale uma virtude sequer.
Envenenem-se de amores falsificados,
Firam-se usando o amor.
Já que o ódio é por demais inócuo
E tão pouco criativo.
Criaturas mal-nascidas, envenenem-se
De insônia, de tímpanos sangrando, de sedativos.
Inoculem-se de desconfiança e perfídia.
Envenenem-se, crianças,
Que o mundo não lhes concederá
Única suave contradança.
Eu, de minha parte, continuarei aqui :
A criar meus gatos.
Para assistir ao vídeo, é só clicar aqui, no meu cada vez mais poderoso MARRETÃO.
8 Comentários
Grande Azarão, comecei a ler os seus textos em 2010, quando perambulava pelo sul da Tailândia com a minha esposa. Ver o seu poema ser recitado pelo Abujamra (mesmo que de forma incompleta), não me surpreende.
ResponderExcluirIsso porque a qualidade da sua escrita é enorme (eu já falei isso antes e não estou com babação..rs).
Mas confesso - e espero que você não fique puto comigo - que fiquei surpreso por saber da sua atuação como professor de biologia. Nada contra, evidentemente. É que o pessoal presunçoso da área de humanas (e nesse grupo me incluo) acredita piamente que só ele domina as letras.
Ledo engano. Realmente, vamos vivendo e aprendendo. Um abraço e parabéns.
É sempre bom tê-lo por aqui. Ainda está em Timor Leste? Entrei há alguns dias no seu blog e vi que você parou com as postagens, não voltará mais a ele?
ExcluirApareça e comente sempre que quiser. É uma satisfação.
Abraço.
Voltei de Timor, ainda escrevi uma coisa ou outra e acabei envolvido demais com questões do trabalho. Coisa interessante é que lá a minha escrita era fator de sobrevivência. Tenho que voltar a escrever. Sempre que posso, passo aqui e leio seus textos.
ResponderExcluirObs: recentemente li um texto daquele Luiz POndé, polemista de carteirinha, que pode te interessar. Chama-se Guia politicamente incorreto da filosofia (título esquisito, porque de filosofia não tem nada). Com certa filtragem (o cara é um nascido em berço esplêndido que gosta de detonar pobre), vale a leitura. Abraço!
Não foi à toa que o Abujamra recitou seu poema!
ResponderExcluirE esse mês de maio que não acaba...fico na esperança de que vc vá publicar um calendário mais interessante!
ResponderExcluirMais interessante? Só se for com três mulheres se pegando!
ExcluirPor que o poema se chama O Criador de Gatos?
ResponderExcluirPorque no fim, que o Abujamra mudou, eu digo: eu, de minha parte, continuarei aqui, a criar meus gatos. Porque eu tenho gatos, porque é melhor, muitas vezes, lidar com gatos que com gente, e vários outros porquês.
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