Ganhei a Sexta-Feira

Hoje. Primeiro do mês. Um longo, quente e estafante março, sem feriados, sem respiradouros, sem saídas de emergência, se nos descortina. A escola, às vezes, admito, faz o que pode pelo exaurido professor : marcou uma reunião de pais para essa sexta, com suspensão das atividades letivas.

Exaurido, Azarão?, alguns poderão estranhar. Nem um mês de aulas e já cansados? Que raça mais moloide e indolente é essa? Estranhamente, saio em defesa da categoria : cansaço de professor é igual a contaminação por metal pesado, chumbo, mercúrio. É cumulativa. Não se dissipa nem é eliminada pelo organismo durante as férias.

Não uma reunião de fim de bimestre, com a pauta de mostrar as notas e o rendimento dos alunos aos pais, falar sobre o comportamento de seus rebentos etc. Que, hoje, notas, conteúdo, rendimento acadêmico, aprendizado, compostura, são pormenores de somenos na nossa valorosa "educação", são só detalhes, menores, muito menores, que os do Roberto.

Uma reunião de boas-vindas aos pais, de acolhimento, como é pedagogicamente correto de se dizer, atualmente. Para apresentar-lhes a equipe gestora, o corpo docente e o dos funcionários, que serão, ao longo do ano, a segunda família dessa tão promissora geração (até me emociono). Também falar do regimento e das normas da escola, horários de entrada e saída, o (des)uso do uniforme, direitos e deveres (kkkkk) do aluno etc.

Para quebrar toda a sisudez que esse tipo de reunião possa trazer, para descontrair o ambiente, a reunião foi aberta por uma suposta, por uma pretensa banda da escola. Uma sinfonia de gatos no cio. Executaram (sumariamente) três canções, agradeceram os aplausos e deram lugar à parte "séria" da reunião.

Seguiram-se, então, a apresentação da equipe gestora e a dos professores, que, espontaneamente, foram se levantando, dando bom-dia, dizendo seus nomes, suas disciplinas e séries em que lecionam (adoro essas idiotices). Até aqui, só amenidades.

Como último item da pauta, a eleição dos representantes dos pais para compor o Conselho de Escola, colegiado dito soberano em suas decisões e que é convocado e reunido em situações extremas, como, por exemplo, para decidir sobre a expulsão ou não de algum oprimidinho do Paulo Freire. O Conselho de Escola é formado por representantes dos professores, dos pais, dos alunos e dos funcionários administrativos. É a democracia representativa posta a pleno funcionamento (quase que me debulho em pranto aqui).

Cinco são as cadeiras destinadas aos representantes dos pais no Conselho, a serem preenchidas nas seguintes proporções : dois pais (mais um suplente) do período da manhã, dois pais (mais um suplente) do período da tarde e um pai (mais um suplente) do período noturno. Cinco pais se candidataram às duas (três) vagas matutinas. Necessária, pois, uma votação. Um a um, os pais se levantaram, apresentaram-se e disseram o motivo de desejarem compor o Conselho de Escola.

A Sra. nº 1 - chamemo-a assim - já era mais que conhecida, figurinha carimbada na escola, chatíssima, chata de galocha e guarda-chuva, peruíssima. Falou quantos filhos tinha, onde cada um estudava, vangloriou-se da fazer parte de outros Conselhos, disponibilizou até, aos que se interessassem pudessem, seu perfil na internet, em alguma dessas plataformas sociais.

As Sras. nº 2 e nº 3 apenas se levantaram, disseram seus nomes e, basicamente, disseram que gostam de acompanhar de perto a vida dos filhos e dos ambientes que frequentam. Mães zelosas por suas crias.

A Sra. nº 4 se disse mãe de três adolescentes e também ser professora. O que atraiu para ela os olhares de preferências dos professores presentes, sobretudo os dos das humanas, que nela reconheceram uma companheira de luta. Porém (e ainda bem), professor não tem direito a voto na eleição dos representantes dos pais, escrutínio realizado apenas entre os pares, os iguais.

O Sr. nº 5, o último dos candidatos, levantou-se, apresentou-se, disse ter estudado na escola, pela qual guarda grande apreço, na década de 1970 e que agora tem dois filhos ali matriculados. Foi logo dizendo : - sou conservador, muito conservador. 
Os olhos dos das humanas arregalaram-se no ato, suas pupilas dilataram-se de fúria, arrepiaram-lhes até os cabelos do cu. 
E o Sr. nº 5 seguiu : - tenho visto que ainda existe muito jovem bom hoje em dia, no caminho certo, mas também muitos que andam com um comportamento meio estranho, meio errado. Não sei se a culpa é do próprio jovem, se da família ou até mesmo se da escola. 
Sob olhares atônitos, o Sr. nº 5 concluiu : - mas não tô acusando ninguém de nada, eu não gosto de jogar pedras ou de dar pauladas, mas se for preciso, eu dou
E sentou-se. Uma baba hidrofóbica escorria pelos cantos das bocas da turminha do ódio do bem.

Iniciou-se a votação por aclamação : quatro mãos se levantaram a favor da Sra. nº 1, cinco a favor da Sra. nº 2, duas em intenção da Sra. nº 3 e doze para a Sra. nº 4, a predileta dos professores. Então, a diretora perguntou, e quem vota no Sr. nº 5? Trinta e três mãos se ergueram. Trinta e três!!! Mais que todas as outras somadas.

Pãããããta que o pariu!!!! Por dentro, o pessoal das humanas estrebuchava e se revirava em suas tumbas ideológicas.

Não sei se alguém já fez as contas, mas somados todos os votos, e supondo que não tenha havido nenhuma abstenção ou que alguém tenha votado duas vezes, estavam presentes cinquenta e seis pais. Um número pífio para uma escola que conta com setecentos a oitocentos alunos no período matutino. Mas os que ali estavam, eram os cada vez mais raros pais que ainda se importam com a vida dos filhos, que não terceirizam a outrem a educação de seus rebentos, muitos saídos de seus trabalhos para ali estarem. Ou seja, gente honesta, trabalhadora, decente, zelosa dos bons valores.

E digam - e me maldigam - o que quiserem, mas gente assim quer o tradicional, o conservadorismo. E quer um homem forte no controle.

Finda a reunião, os pais foram dispensados e nós voltamos à sala dos professores, para terminarmos de cumprir nosso expediente.

Os das humanas vociferavam perdigotos. "Quando a diretora falou, quem vota no Sr. nº 5?, acho que entenderam, quem vota no Bolsonaro?", disse um. "Ribeirão Preto é foda, provinciana pra caralho", disse outro. "É a volta do Figueiredo, eu prendo e arrebento", mais outro.

Que democracia, para os da esquerda, só existe quando vence os que a ela são alinhados.

Só por isso, eu já havia ganhado a sexta-feira, já fora compensado o constrangimento - tímido que sou - de me apresentar a um coliseu de pais. Porém, eu nem desconfiava de que ainda ganharia um bônus.

Desabafada e acalmada a primeira indignação, a político-partidária-ideológica, caiu a ficha de uma lá e instalou-se uma nova revolta, a de gênero. Mais de 90% dos presentes eram mães, mulheres, e venceu o único homem a se candidatar! E de lavada. E por larga margem de vantagem. Por uma diferença tão grande que não deu nem margem a um pedido de recontagem dos votos!

Valeu-me o dia. Pãããããta que o pariu se valeu-me!

Que não sou homem que precisa de muito para ter momentos de satisfação e alegria.
É como diz, advogando em causa própria, o sujeito de pinto pequeno : os grandes prazeres da vida estão nas pequenas coisas.

Ver a dura realidade entrar a seco no toba das nefastas convicções de um esquerdista é uma delas.

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2 Comentários

  1. Independente de ideologia sou totalmente favorável ao Sr. 5. Acho que a escola, ou melhor, os alunos na escola precisam de disciplina, de uniforme e de matérias técnicas. Acho bonito e necessário um estudo do perfil psicológico dos candidatos a astronauta, especialmente os que se dispõem a ser enviado para Marte. Só que antes disso os engenheiros, os cientistas da computação, os nutricionistas, os médicos e os biólogos precisam dissecar, equacionar e resolver todos os problemas técnicos que uma viagem ao espaço pode fazer surgir. Usei esta situação como metáfora apenas. Nós precisamos de tecnologia de ponta, de pesquisas de ponta. E isso vem antes das elucubrações sobre o sexo dos anjos e temas que o pessoal de humanas parece gostar de discutir.

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  2. "até me emociono"
    Tb me emociono com esses jovens. Chegam a correr lágrimas. Estamos fodidos: sem geração de riquezas, previdências falidas, mimizentos que só querem coisas grátis. Mas é isso que temos até o colapso que em breve virá.

    "volta do Figueiredo"
    Não se fazem mais homens como Figueiredo. Só bafo-de-onça por aí, tudo político frouxo. Mas realmente é assim na cabeça do populacho. Basta um cara dizer que seria melhor ser cauteloso nos vários aspectos de nossas vidas (social, econômica etc) que logo alguém já o acha um digno representante da direita hidrófoba ultra conservadora. O caras acham que o Bolsonaro era de extrema-direita! Acho que nem de direita é.

    Abraços

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