Não é hora, agora, amigo
De tramarmos nova vitórias
Nem vislumbrarmos retumbantes conquistas.
Fiquemos com o conforto de nossa gasta memória,
Com nossas velhas capas de revistas.
Agora é hora de afundarmos no sofá
E assistirmos aos eternos reprises
(não é de reprises, feita a vida?)
Dos seriados americanos em preto e branco,
Da época onde tudo parecia sob controle,
Da época onde ainda não tínhamos controle remoto.
E vamos ouvir o que se ouvia nos anos 80,
Onde nosso mundo
(e pra fogueira com Galileu)
Era um disco plano, achatado
E que girava em 33 rotações.
E nada havia além de suas bordas:
Tudo o que havia pra ser dito, já foi dito em vinil.
Sairemos na madrugada,
Não num carro importado,
Pelo qual nunca lutamos, tampouco ambicionamos,
Mas sim no tapete voador de nossos anos idos.
Visitando outros amigos que não moram mais aqui.
Batendo à porta de suas lembranças que nem mais existem,
Jogando garrafas vazias de rum em seus jardins e telhados,
Interrompendo seus sonos
E lhes deixando com a vaga, inexplicável e insistente
Sensação de deja vu
Não é hora, agora, amigo
Não é hora, agora, amigo
De novas fugas
Nem de querermos curar nossa miopia.
Fiquemos com nossas janelas sem grades,
Com nossa oxidada e falsa prataria furtada de botequins.
Agora é hora de ocuparmos nossos lugares
Em nossa távola manca
(Há anos planejamos lhe pôr um calço)
Onde continuaremos a manchar os dentes
Com nosso café sem sentido
E, sob a luz de argônio com defeito,
A engolir nosso pão recheado com penicilina.
Não é hora, agora, amigo
De desejarmos novas carnes
Nem de promovermos novas carnificinas.
Vamos boiar à deriva do tempo,
Acenando de longe para os que conseguiram se fixar em suas margens
E vamos enviar cartas sem selos
Para logradouros e épocas que nunca nos conheceram.
Não é mais a hora da vida, amigo.
É a hora de sermos ludibriados, minados,
Traídos e vitimados por nosso próprio sangue.
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